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Capítulo 6
O homem do granito
O caso estaria consumado, se não existisse um bocado de perguntas intrigantes zanzando no ar. Alguns mistérios permeiam o horizonte dessa fantástica história.
O primeiro é o seguinte: se ele não sobreviveu àquela tempestade, como foi que as pessoas da época tomaram conhecimento dos eventos ocorridos nas profundezas daquele buraco? Afinal não havia testemunha alguma para presenciar os fatos.
O segundo e macabro mistério é o seguinte: se ele conseguiu escapar daquela verdadeira sepultura de lama, então a quem pertencia o corpo mumificado e em admirável estado de conservação encontrado quase noventa anos depois na mesma região, durante escavações da prefeitura local para construção de uma ponte?
Segundo análises, o misterioso personagem era jovem, talvez com uns vinte e cinco ou trinta anos de idade, e se encontrava afundado em barro ressecado, numa espécie de poço circular, distante pelo menos três metros da superfície. Chegou-se à conclusão que de alguma forma ele ficou preso no buraco e não conseguiu sair.
As evidências indicavam que possivelmente as paredes do buraco caíram sobre ele, soterrando-o. Muito provavelmente durante um temporal.
Não muito afastado do buraco foi encontrada uma peneira. Junto da múmia foram encontradas duas ferramentas bastante peculiares aos garimpeiros: uma pá e uma enxada! E quanto ao corpo, encontrava-se irredutivelmente abraçado a uma pedra... de granito!
O local foi resguardado e coberto por uma barraca, até que chegasse gente abalizada para verificar o corpo. Seria preciso muito cuidado para retirar a múmia sem danificá-la. De São Paulo se dirigiu para a região uma renomada arqueóloga.
No dia seguinte, naquela tarde de 1985, após ser cuidadosamente retirada de sua cova pela meticulosa equipe da doutora Nieyde Cavaleghi, Historiadora formada por uma grande universidade e Doutora em Arqueologia por um dos maiores museus do país, a múmia do “homem do granito”, qual carga preciosíssima e envolta em uma névoa de mistérios e lendas, foi “encaixotada” sob extremos cuidados a fim de ser transportada de avião no dia seguinte para a capital, onde era aguardada por estudiosos, arqueólogos e toda a imprensa, eufórica com a descoberta.
Observando bem a múmia antes de isolar a mesma na enorme caixa de madeira, a doutora notou que havia algo em seu pescoço, e era notável que estivesse perfeitamente conservado: um rosário de madeira! Muito embora o corpo provavelmente estivesse naquelas condições há muito tempo, a múmia se encontrava milagrosamente preservada. O tempo o transformara em fumaça dissipada do passado remoto, mas de alguma maneira a lama criara uma barreira de proteção sobre o corpo, conservando-o de modo extraordinário.
Durante toda aquela noite, a pequena cidade ficou movimentada por conta da presença de curiosos e fotógrafos. E os políticos locais não perderam tempo, era uma grande oportunidade de aparecer. A praça em frente à igreja ficou lotada de gente indo e vindo. Até foi celebrada uma missa especial em nome do “homem do granito”. No coreto as crianças brincavam, enquanto casais de namorados passeavam e os mais velhos observavam das janelas. Aquela não era uma noite absolutamente ímpar e singular, seria também uma das noites mais marcantes da cidadela, que de um momento para outro, saíra do anonimato para o topo das notícias. Imagine só, ela estava aparecendo no Jornal Nacional. O próprio Cid Moreira estava regularmente mencionando o nome da cidade que finalmente deixaria de ser apenas um pontinho insignificante no mapa.
Entrementes, um forte aparato policial foi deslocado para guardar o galpão onde o enorme caixão de madeira com a múmia ficaria até a manhã seguinte.
Quando a aurora riscou o horizonte de vermelho, todos já estava a postos para conduzir a preciosa carga até a cidade mais próxima onde existia um campo de aviação. Dali o “homem do granito” seria levado para a capital onde era aguardado com grande expectativa.
Porém ao adentrar o galpão onde se encontrava a caixa com o “homem de granito”, a doutora Nieyde Cavaleghi teve uma decepcionante e aterradora surpresa. A caixa estava aberta e o “homem do granito” simplesmente desaparecera. A polícia não soube explicar o que aconteceu. Acusações surgiram e instalou-se uma confusão generalizada. Fato é que durante toda aquela noite as ruas estiveram movimentadas e não houve nada de suspeito ou que sequer chamasse a atenção, exceto a movimentação incomum.
A imprensa invadiu a cidade, os boatos se multiplicavam. Até o exército enviou soldados para a região a fim de prevenir eventuais distúrbios. A polícia federal assumiu o caso, mas mesmo assim, nada. Certa idosa moradora de uma ruela aos fundos do galpão assegurou por Deus, Jesus Cristo, todos anjos e santos, que viu passar por sua janela, por volta da meia-noite, um homem de barro que segurava algo junto ao abdômen, enquanto seguia rumo à mata densa. Os agentes da polícia federal fizeram seu papel anotando e registrando tudo, claro. Mas é óbvio que não deram créditos às palavras de uma velha senil.
Era sexta-feira, 19 de abril de 1985. O caos se implantou e muita gente teve que prestar esclarecimentos. No sábado 20 não foi diferente. Porém, um fato ocorrido na noite do dia seguinte, domingo, 21 de abril, às 22 horas e 23minutos, mudaria tudo e desviaria o foco das coisas não apenas ali, mas no país inteiro: a morte do Presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Os trabalhos de investigação foram interrompidos e todos, de visitantes a agentes federais e jornalistas, foram embora do povoado, exceto a doutora Nieyde Cavaleghi e sua equipe, gratos de ficarem sozinhos com o povo local.
Por quinze dias empreenderam uma busca incessante por pistas sobre a múmia do “homem do granito”. Mas não havia nada, nenhum vestígio, como se o corpo simplesmente tivesse evaporado no ar.
O galpão estava intacto, nenhum cadeado fora violado. Nada fazia sentido. A única coisa que de repente fazia todo sentido do mundo eram as palavras firmes e muito consciente da velha senhora que insistia: “Peste! Se eu digo que vi um homem de barro passando diante de minha janela, é porque vi! Diabo de gente que duvida só porque sou velha! Sou velha mas não sou doida! Se digo que vi, é porque vi e ponto final!”
A doutora Nieyde e seus companheiros se entreolharam, em seguida se despediram respeitosamente da velha senhora. Naquele mesmo dia partiram. Já tinham suas conclusões formadas e achavam certo deixar a cidadela em paz. Assim como seu ilustre enigma: o “homem do granito”!