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BRASIL: DO CAOS AO CAOS - PARTES 5, 6, 7, 8
BRASIL: DO CAOS AO CAOS - PARTES 5, 6, 7, 8

NOTA AO LEITOR: PARA SUA TOTAL COMODIDADE, ESTE LIVRO PODE SER LIDO NA ÍNTEGRA POR VOZ NEURAL SINTÉTICA, BASTA VOCÊ CLICAR NO BOTÃO LOCALIZADO AO FINAL DESTA PÁGINA!

 

Quinta Parte
“Avós do Brasil”

Durante a guerra foi até criado o programa satírico “Avós do Brasil”, que divertia e desestressava os revolucionários, cada vez mais habituados ao morticínio. O programa ironizava o tratamento precário do governo para com os idosos e as classes menos favorecidas, sempre deixados num plano de somenos importância.


No comando, um elenco de sábios idosos esfarrapados e subnutridos que incitavam a população e encorajavam as frentes de combate dando ênfase ao heroismo e à veneração dos mártires que tombavam todos os dias.


Na guerra existe de tudo, menos sabedoria. Os argumentos são vazios e a estupidez, moldada por palavras vãs é a maior virtude. Homens matam e morrem por motivos que desconhecem. Homens sábios não conduzem guerras, porque não existe sabedoria na guerra. Sempre houve e sempre vai haver interesses escusos, porque a guerra não deixa de ser um negócio lucrativo e de espoliação.

Sexta Parte
Sob fogo cruzado

Os revolucionários, eufóricos, avançavam destemidos rumo ao lado baiano da ponte, para onde as tropas federais e a polícia recuavam. Os sons de tiros já não assustavam mais como meses antes, e a morte de companheiros já não causava tanto impacto. Afinal, o ser humano é plenamente adaptável a qualquer coisa. Se o que antes fedia a putrefação e era sinônimo de horror, algo inaceitável, àquelas alturas nem era mais sentido, tornando-se algo absolutamente banal.


O avanço cadenciado da guerra não podia parar. No entanto, junto com a cadência espontânea, avançava a malevolência disfarçada de patriota, mas com claras intenções de causar danos não à nova ordem por se erguer do caos, mas àqueles considerados inimigos da nova ordem. Poderia ser dito que uma nova ordem, justa e sem máculas, não pode ser levantar de um mar de sangue. Mas esta tese poderia ser refutada com o seguinte argumento: da decadência política e social, é inevitável a ascensão do colapso moral.


De repente um movimento distante à beira do rio, chamou sua atenção. Ele se posicionou atrás de um caminhão carbonizado a fim de proteger-se e mirou a lente de sua câmera, aumentando o zoom para encurtar a distância de cerca de uns 800 metros à direita da ponte, na margem do lado pernambucano, onde uns quinze homens armados apontavam suas armas para seis homens com uniformes de policiais.


O fotógrafo, prevendo o que viria em seguida, começou a clicar freneticamente. Um cinegrafista que se protegia um pouco atrás também viu a cena e avançou abaixado até o muro de proteção da ponte, mirando sua câmera em direção ao rio. A cena horripilante da execução foi registrada em minúcias. Por um instante o fotógrafo parou atônito, enquanto contemplava os seis corpos boiando nas águas do rio. Voltou a fotografar quando três dos revolucionários adentraram as águas e com um evidente cinismo e desdém empurraram com os pés os corpos em direção à correnteza, numa atitude de puro desprezo para com a vida. Logo o “Velho Chico” arrastava os corpos rumo ao desconhecido. Aquilo não representava exatamente uma surpresa para o jovem repórter fotográfico francês. Ele já presenciara outros crimes de guerra. Mas além de repreensivo, o ato era chocante de ser visto.


Gradualmente os corpos foram sendo engolidos pelas águas avermelhadas. Muita coisa ainda iria rolar, pois aquele combate infernal mudara apenas de cidade. Se antes os federais quase tomaram Petrolina, do lado pernambucano, agora recuavam desordenados rumo ao lado oposto do rio, para a cidade de Juazeiro, na Bahia. Pela barulheira intensa da artilharia, o combate não parecia nem de longe estar próximo de seu desfecho.


De repente vários tiros ecoaram no ar, um dos quais passou num zunido, sibilando bem perto de sua cabeça. Ele se abaixou num sobressalto, o coração disparado. Escapou por um triz. Naqueles tempos críticos, nem mesmo jornalistas, protegidos por leis rigorosas, podiam vacilar. A guerra não escolhe vítimas e nem culpados. E com a violação dos direitos humanos acontecendo escancaradamente a todo momento, era preciso ser muito prudente. E foi exatamente prudência que faltou ao cinegrafista, quando se levantou da proteção da ponte a fim de melhorar seu ângulo de visão.


Um tiro fulminante de fuzil traspassou a lente de sua câmera, atravessando-lhe a cabeça e lançando-o para trás num abrupto e mortal solavanco. Miolos de cérebro estavam espalhados pelo chão e grudados no caminhão parado ao lado. – Merda de cinegrafista estúpido, vociferou um oficial revolucionário que se aproximou rapidamente para ver o que sobrara do jovem inerte. Em seguida foi até a mureta de proteção e soltou um estridente assobio em direção aos homens na margem do rio. – Voltem às suas fileiras, agora! – gritou ele com as mãos em concha sobre a boca e a gesticular alucinadamente – Depressa! O jovem fotógrafo relutou, mas correu até o corpo do rapaz. Não podia fazer nada. Então tirou rapidamente algumas fotos do corpo sem vida, a cabeça deformada pelo poderoso tiro, em seguida puxou sua credencial, agarrou sua câmera no chão e saiu correndo a fim de se proteger atrás do caminhão repleto de combatentes, de onde o jovem oficial o chamava aos gritos. – Você quer morrer também? Venha pra cá, idiota! O fato positivo durante a guerra era que nenhuma emissora de televisão, rádio, jornal ou revista foi atacada. Algo realmente notável e sem precedentes. Todos os envolvidos no conflito tinham interesse em mostrar o seu lado da história, e para tanto, davam liberdade total à imprensa, assim como toda proteção dentro das possibilidades. Não havia barreiras ao trabalho dos jornalistas, que trabalhavam livremente na cobertura da guerra.
Embora várias baixas tenham sido registradas, foram casos isolados, e em grande parte por conta de fatalidades inerentes à guerra ou por pura negligência dos próprios profissionais, pois jornalistas são por natureza dotados de coragem extraordinária e desejo ardente de cobrir e registrar os fatos. E aí é quase impossível protegê-los sempre. Afinal, o acaso sobrevém a todos, e jornalistas também são seres humanos. 

Sétima Parte
Terror no País de Deus

Se Deus é brasileiro, certamente ali ele não estava. E pelo jeito não queria nem saber, e muito menos tomar partido. Por dezesseis semanas consecutivas seguiram-se as barbaridades de um conflito sangrento de dimensões apocalípticas, no qual inicialmente os alvos eram basicamente as instituições públicas. Muitos presídios – verdadeiras faculdades do crime –, foram escancarados e invadidos. Legiões de condenados libertados com a condição de unirem-se aos revolucionários chegavam às ruas ansiosos de liberar toda revolta e ódio adquiridos enquanto sob custódia do estado. Seres que outrora – antes de ser condenados e trancafiados em presídios superlotados – ainda eram homens, agora agiam como verdadeiras bestas humanas.


Em cada região, em cada unidade federativa, a anarquia era a palavra de ordem. Delegacias eram incendiadas ou lançadas pelos ares. Autoridades locais, no melhor dos casos, eram trancafiadas; na pior da hipóteses eram aniquiladas pelas turbas enfurecidas e de saco cheio. Forças policiais inteiras sucumbiam diante do avanço feroz das populações ensandecidas e cegas de revolta. E o que era pior: armadas até os dentes. Os mortos da revolução eram tantos que tornava-se quase impossível enterrá-los decentemente.


Assim, não restava outra opção senão a criação de gigantescas valas para os sepultamentos coletivos. Tratores enormes enchiam caçambas e caminhões de todos os tamanhos, que conduziam os cadáveres rumo ao seu destino final. Porém era muito comum a incineração, visto que isso contribuía para evitar o alastramento de doenças. Grandes montanhas de corpos incendiados à base de gasolina ou querosene, enegreciam os céus com a fumaça incessante de fogueiras que propagavam o cheiro de carne assada por todos os cantos do país.

Oitava Parte
A Oferta da FEMA

Em diversos lugares, caminhões frigoríficos mantinham “estoques” de corpos a espera de sepultamentos coletivos, pois muitos familiares simplesmente não aceitavam a ideia de ver seus entes queridos vitimados pelo conflito, serem queimados como porcos assados. Assim, se não era possível sepultá-los de maneira digna e honrosa, aguardavam o momento oportuno para poder fazer, quer de maneira coletiva ou individual, porém com o devido respeito e o cerimonial que todo ser humano merece. Claro que dada a situação, momentos oportunos eram raros, motivo pelo qual havia tantos corpos em estoque aguardando por enterro.


Quando o Governo dos Estados Unidos, através da FEMA*, ofereceu ao Brasil um enorme estoque de seus caixões – cada unidade dos quais com capacidade para pelo menos quatro corpos –, o Governo brasileiro gentilmente recusou a oferta, por considerar a ideia um modo indireto de intervenção estadunidense em assuntos internos do Brasil. Mas a oferta realmente tinha caráter preventivo e até humanitário. Humanitário porque aos olhos do mundo parecia bárbaro o que acontecia aqui, onde as notícias falavam de enormes amontoados de corpos sendo queimado todos os dias, ao invés de serem enterrados dignamente. Preventivo porque os caixões da FEMA, pela capacidade de contenção e isolamento, evitariam que corpos em decomposição ficassem expostos a céu aberto, algo muito perigoso – e que sabidamente já acontecia em todas as áreas abrangidas pelo conflito aterrador. Além do mais, a quantidade de caixões oferecidos pela FEMA era assombrosa, pelo menos meio milhão de unidades. Aceitar o “presente” seria como admitir que as informações “desencontradas e confusas” que falavam de terríveis massacres, tinham fundamento. E o Governo brasileiro não estava nem um pouco disposto a admitir que as coisas estavam fora de controle. Aceitar aquela generosa doação de quinhentos mil super caixões era como admitir que pelo menos dois milhões de brasileiros perderiam a vida naquela “briguinha de família”, como brincou certa vez o Presidente, em entrevista a um jornalista da CNN. “A imprensa está exagerando, vocês estão vendo o King Kong onde só existe um pobre miquinho de circo querendo aparecer. Isso é apenas uma briguinha de família, e assim como toda briguinha de família, logo tudo vai ficar bem e ninguém vai mais se lembrar do que aconteceu. Como diz a Bíblia: ‘e nem subirão ao coração, pois as coisas anteriores já serão parte do passado.’” Os acontecimentos futuros mostrariam o quanto o Presidente estava enganado com relação àquela “briguinha de família” que supostamente logo seria esquecida. A história, por sua vez, seria testemunha de suas mentiras e da verdade que ele insistia em tentar esconder do mundo. Porque milhares de mortes poderiam ter sido evitadas, se ele tão somente fosse menos inflexível em seu comando do país, haja vista ser ele o Comandante em chefe das Forças Armadas, que às suas ordens, bombardearam várias cidades, “redutos de rebeldes”, matando muita gente inocente, principalmente mulheres e crianças.


Hospitais foram pelos ares levando junto centenas de pacientes indefesos. Escolas viraram pó, e a calamidade sob seu comando só não foi maior por causa do Golpe de Estado que viria depô-lo ainda em tempo de evitar a ruína completa do país – nesse ponto, o Golpe Militar viria como uma bênção, conseguindo inclusive aliviar as pesadas culpas do passado. Porque dessa vez eles agiriam para salvar o país e restabelecer a ordem, e não para estabelecer uma nova ditadura.


O golpe derrubaria um governo democrático, constitucionalmente legítimo, o qual porém, em suas atribuições, não correspondia mais aos interesses da nação, a partir do momento em que passou a usar seu imenso poder contra seu próprio povo, de maneira desproporcional, arbitrária e autocrática.


Ele traiu sua posição como líder, pois o poder que lhe havia sido conferido e com o qual deveria cuidar e proteger seu povo, fora desviado para fins de tirania, ao passo que sempre estivera envolvido em escândalos de corrupção. Se não fora pelo golpe, patrocinado pelas forças armadas, dificilmente a guerra teria terminado em menos de dois anos. E graças ao golpe, que não teria a finalidade de restabelecer o regime militar, finalmente a URNON e os militares poderiam se sentar à mesa de negociações com o objetivo de tentar pôr fim ao conflito, pois os militares desejariam de fato acabar com o banho de sangue vergonhoso perpetrado “em nome da Democracia e da Unidade Nacional”, ainda que isto significasse o desmembramento do país, algo que fariam de tudo para impedir, porém sem derramamento inútil de sangue inocente. Naquele futuro próximo, existiria realmente boa vontade por parte dos militares, de acabar com o banho de sangue que manchava o espírito pacífico dos brasileiros e assombrava o mundo. Disso ninguém poderia duvidar.

 

*FEMA: Federal Emergency Management Agency é uma agência governamental, cuja finalidade é reduzir as perdas de vidas humanas e diminuir os prejuízos materiais, proteger a nação (EUA) de todos os desastres, incluindo tragédias naturais, atos de terrorismo, e outros desastres provocados pelo homem.