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Décima Terceira Parte
O Brasil Cambaleante
Diante da tomada efetiva de São Paulo pelos revolucionários, as forças federais, sem o apoio do principal aliado, recuaram a fim de manter o Centro-Oeste e o Norte. Confiantes da ajuda militar que viria de vários países vizinhos, o governo federal não se abateu ante a ameaça de desintegração nacional. Mas foi aí que entraram em ação os Estados Unidos da América, que ameaçaram intervir diretamente se os aliados sul-americanos enviassem apoio militar.
Diante da ameaça estadunidense, os russos, os chineses e os indianos, por sua vez, manifestaram profundo descontentamento, assim como sua intenção de também entrar no conflito se os norte-americanos não mantivessem a devida neutralidade nos problemas internos do Brasil. Na verdade ninguém queria se envolver num conflito de tamanha magnitude. Era como procurar sarna pra se coçar. A ferida brasileira já era feia demais sem a interferência externa.
No fundo, a Argentina sabia que o declínio do Brasil, e principalmente sua desintegração, significava o fim de sua hegemonia na parte sul do continente. Seus interesses e intenções eram claros. Aguardar para ver no que ia dar o drama do grande irmão era também estratégico e estava em harmonia com sua cobiça e mania de grandeza.
Aos Estados Unidos também interessava o enfraquecimento político e econômico do Brasil. Seria muito mais fácil posteriormente inventar uma desculpa qualquer e tomar o pulmão do mundo, a Amazônia. Assim o governo brasileiro, cada vez mais fragilizado, começou a propor acordos e mais acordos, todos obviamente rejeitados pelas lideranças revolucionárias. Afinal não havia mais qualquer razão para assinar acordos com um governo debilitado e cada vez mais rumando para o precipício. Inicialmente, a guerra tinha como finalidade “criar uma nova era no Brasil, na qual não restará sequer as cinzas do velho sistema corrupto e espoliativo que há muito suga o sangue do nosso povo”, segundo disse em discurso um conhecido e respeitado líder revolucionário nordestino. Porém, após o contato entre todas as lideranças quando da assinatura da adesão paulista aos compromissos revolucionários de divisão do território Brasileiro, que ficou conhecida como “O Acordo do Anhangabaú”, nasceu a real consciência emancipatória, a qual consistia na divisão do país a partir da fragmentação dissolutiva da unidade nacional brasileira.
Pelo acordo, as regiões Nordeste e Sul seriam emancipadas. O Rio de Janeiro e o Espírito Santo se uniriam numa confederação. Minas Gerais se tornaria uma nação autônoma, assim como São Paulo também. O Estado Brasileiro ficaria limitado às regiões Centro Oeste e Norte, que em termos territoriais continuaria sendo uma grande nação.
Mas antes de tudo a aliança tinha a tarefa de mitigar os conflitos que ainda restavam em alguns lugares da capital paulista e em certos municípios do estado, onde antigas mágoas estavam causando verdadeiras chacinas. E pra piorar a situação, circulavam sérios boatos sobre o andamento de uma verdadeira limpeza étnica, na qual os nordestinos era a maior vítima. Uma injustiça que o aliados exigiram que os paulistas abafassem imediatamente, punindo de maneira severa os culpados.
Os paulistas não se fizeram de rogados. E assim, com a ajuda dos aliados, os paulistas iniciaram uma enérgica e violenta perseguição conjunta a grupos intolerantes. Centenas foram encarcerados, e tantas outras centenas conheceram o inferno de sua própria ideologia racista. O Rio Tietê já não cheirava mais a poluição, mas a cadáveres putrefactos. Os céus da terra da garoa passaram a ser “o paraíso dos urubus”, que já estavam meio cansados de tanto comer carne humana.
Décima Quarta Parte
A Divisão do Brasil
Foi somente a partir do cruzamento de ideias entre todas as lideranças, sentadas em volta de uma enorme mesa pentagonal improvisada (representando as cinco regiões do Brasil que lutavam contra o poder central), que o conflito enfim ganhou forma concreta. De fato, não tinha como voltar atrás, assim como não era possível que após tanto derramamento de sangue, as coisas simplesmente finalizassem com acordos unilaterais que atenderiam simplesmente aos interesses da União.
Não era possível que o sacrifício heroico de tantos homens e mulheres de repente fosse tratado como algo fútil, esquecido através da consolidação de um acordo de paz. Todo o sofrimento infligido só poderia ser aplacado de uma maneira: “com a consolidação do objetivo comum, que visa o fim da unidade nacional e a extinção do corrupto sistema político brasileiro”. Era não apenas preciso, mas necessário que tudo fosse refeito, inclusive a Constituição, o Código Penal, o Código Civil, enfim todas as leis que antes de proteger os direitos do povo, atendiam primeiramente os interesses das elites e criavam brechas para que pessoas cheias de dinheiro pudessem escapulir aos rigores da frágil justiça, assim como a água escorre por entre os dedos das mãos. E com isso em mente, a URNON (sigla para União Revolucionária da Nova Ordem Nacional, como passou a ser conhecido o movimento unificado) se propôs a prosseguir sem tréguas rumo a seu objetivo, o qual visava a separação do Brasil entre as cinco forças revolucionárias que compunham a URNON.
As regiões Norte e Centro-Oeste, desde o início, não haviam aderido completamente ao movimento – pelo menos não com o mesmo vigor que o resto do país –, de modo que seu frágil levante logo foi contido pelas forças de segurança locais e tudo voltou ao normal, com a ordem restabelecida sem muitos problemas e sem qualquer derramamento de sangue. Se limitaram portanto a assumir o papel de meros espectadores do horror que se desenrolava no restante do país, assolado pela guerra civil. De qualquer modo, aquelas regiões não constituíam grandes centros populacionais, assim como eram desprovidas de grandes centros urbanos. Não pareciam muito interessadas na revolução, o que lhes colocava ao lado do Governo central. Pelo acordo, os estados da região Sudeste se separariam em três partes.
As regiões Centro-Oeste e Norte permaneceriam unidas ao Brasil, cuja capital continuaria sendo Brasília. Espírito Santo e Rio de Janeiro se tornariam um só país. Minas Gerais se tornaria independente como uma nação soberana, assim como São Paulo também. As regiões Sul e Nordeste, por sua própria natureza e culturas muito distintas e diferentes das demais, por si só já constituíam duas nações.
Agora era só uma questão de oficializar e tudo estaria consumado. Após um novo encontro para ratificar os acordos anteriores, foi firmada a “Aliança de Petrópolis”, que reforçava “O Acordo do Anhangabaú” e decidia os destinos do pós-guerra, que não demonstrava sinais de exaustão. Com a resistência do Governo Federal em não ceder, o conflito se intensificou, ao mesmo tempo em que cada vez mais militares debandavam para o lado dos revolucionários. Este era um sinal mais que evidente da divisão que havia nas Forças Armadas, que obviamente não estavam nem um pouco satisfeitas com o Governo atual e seu empreendimento bélico numa guerra civil.
Boatos informavam sobre a possibilidade dos militares estarem preparando um Golpe de Estado para depor o Presidente, que insistia em dizer que não renunciaria, pois havia sido “eleito pelo povo, para o povo, e somente o povo, em sua absoluta e incontestável soberania, tem o direito legítimo, pelos meios legais sustentados pela Constituição Federal, de retirar do poder aquele que escolheram para ser seu líder”. “Palavras de um patife mentiroso e corrupto que para se manter no poder não hesitará em fuzilar a própria mãezinha”, ironizou um oficial que debandara para o lado da URNON.
Enquanto o tal golpe não acontecia, as Forças Armadas continuavam a infligir pesadas baixas às fileiras insurgentes, com bombardeios e ataques aéreos seguidos. O objetivo era deter o avanço revolucionário rumo a Brasília. Agora que haviam perdido São Paulo, era preciso não apenas deter o avanço, mas rechaçar as forças separatistas que se aproximavam cada vez mais do centro do poder. Era um fato que com a adesão de São Paulo e seu poder de fogo, a situação havia ficado muito mais confortável para as forças da URNON.
Bases militares, um enorme contingente de soldados profissionais dispostos a lutar em nome da causa, ao lado dos valentes insurgentes, tudo estava muito favorável para um avanço em relação ao desfecho da guerra, que já havia ceifado centenas de milhares de vidas. E tudo que ninguém queria era isso: o prolongamento das matanças. Por outro lado, a máquina de propaganda rebelde também fazia sua parte, alimentando os ideais da URNON. “Por um futuro melhor, mais justo e digno! Por um futuro onde a justiça funcione e a educação seja respeitada! Por um futuro sem corrupção, sem corrompedores e sem corrompidos! E se sonhar por um país assim é pura utopia ou não, nosso objetivo é fazer desse sonho, dessa utopia a nossa realidade!” Se antes as forças governamentais lutavam para tentar manter a pouca ordem que teimava em subsistir diante do caos, agora todas as forças se concentravam para deter o avanço dos combatentes rumo ao poder central em Brasília, Distrito Federal.
A chamada “integridade nacional” estava abalada, seriamente danificada, por um fio. Sem o poder e a força dos paulistas, que haviam aderido à URNON na luta contra o Governo Federal, as esperanças desses eram tão tênues quanto as próprias chances de reverter a situação.
Décima Quinta Parte
Reflexão em meio ao caos
Era difícil imaginar que o estopim de toda aquela brutal insanidade fora algo tão estúpido que era até difícil de se acreditar ou explicar. Uma clara e evidente demonstração de como os homens são propensos à irracionalidade e podem partir de uma mera discussão ou algo banal para um entrevero mortal, pura e simplesmente em defesa de algo conhecido não como honra, mas como orgulho ferido. Até porque honra é algo raro de se ver, sentir e admirar em tempos de guerra. Já orgulho ferido é uma qualidade que até os estúpidos possuem, mesmo quando não exista qualquer razão para se orgulhar.
O jovem fotógrafo francês ficou parado por um instante. Havia uma inquietante sensação de impotência, enquanto ele olhava as dezenas de corpos espalhados de ponta a ponta em toda a extensão da ponte. Gritos de dor de quem ainda estava vivo, se confundiam com Gemidos de moribundos. O jovem francês fotografava aleatoriamente. Não havia exatamente o que ser registrado, porque era difícil especificar algo. Tudo era uma calamidade digna de ficar na história como algo deplorável que jamais devia ser repetido. Tudo parecia um drama sem explicação racional, que gerava um dilema inevitável: até que ponto pode chegar a ilógica humana?
De repente todos os sons desapareceram, quando uma explosão ecoou súbita e inesperada, lançando-o a vários metros de distância, deixando-o desorientado. Aos poucos foi voltando a si. Só então percebeu a gritaria no ar, comandantes sobre comandados. Sons de explosões e rajadas eram ouvidos do outro lado do rio.
Caminhões abarrotados de combatentes passavam apressados do lado pernambucano para o território baiano. As equipes de socorro, numa mistura de sotaques e idiomas, se arrastavam rumo aos feridos a fim de ajudar. Era uma desesperada corrida para proteger-se e para tentar salvar vidas. Em alguns lugares, a ponte fora seriamente danificada pelos bombardeios e pela intensidade da artilharia das tropas federais vindas do Sudeste e do Centro-Oeste, cujo avanço foi interrompido exatamente no meio da ponte, graças ao bem reorganizado esforço de contenção das forças nordestinas, que já contavam com um grande número de soldados que haviam debandado do lado do governo.
Para chegar até aquele ponto, entretanto, o exército havia causado sérias baixas no estado da Bahia. Rechaçadas num dos principais pontos de acesso aos demais estados do Nordeste, as tropas federais foram forçadas a voltar à cidade de Juazeiro, onde logo seria desencadeado um combate feroz – beco a beco, rua a rua – que duraria três dias e três noites de considerável derramamento de sangue.
Mas a feroz resistência das forças nordestinas e seus aliados conduziu os combates de maneira corajosa e eficiente pela antiga cidade baiana, obtendo êxito total no terceiro dia, domingo, quando as forças federais se renderam, cerca de cinco mil homens – que em breve engrossariam as fileiras insurgentes, convencidos pelos ex-companheiros de farda que já lutavam em prol da causa separatista. Dezenas de blindados, muito armamento e abundante munição foram “confiscados” pelos insurgentes.