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CAPÍTULO 13
O REENCONTRO
“Ninguém jamais voltou da morte à vida, mas todos estamos
Inexoravelmente condenados a irmos da vida à morte."
José Maria Caciano Manoel Xavier
Recife, 06 de agosto de 1931.
(extraído de seu diário pessoal)
Seu jovem bisneto, roqueiro bisonho,
Rômulo Augusto, de apenas vinte anos,
Dirigiu o carro sob a luz crepuscular;
Desses, tração nas quatro rodas,
Difícil de atolar (ainda mais no sertão,
Onde o solo árido é vítima da luz solar).
Tarso Mauro, seu filho número sete,
Achou prudente acompanhar o velho pai.
Poucas vezes fora para aqueles lados,
E o fim de semana prometia muito mais.
Deixou os dois celulares desligados,
Pois seriam dias de paz longe da Petrobras.
Mesmo devoradas pela ação temporal,
As antigas cruzes permaneciam lá.
Tarso sentiu um calafrio na espinha,
Mas disfarçou para não demonstrar,
Depois pegou a espreguiçadeira listrada
E debaixo do pé de juazeiro foi posicionar;
Em seguida pegou o pai nos braços
E o sentou confortavelmente na cadeira,
Defronte pras três cruzes de madeira;
Após beijar o patriarca amável e filialmente,
Afastou-se calma e sossegadamente,
Esfregando insistente as olheiras matreiras.
Um súbito vento repentino e traquina
Roubou-lhe o boné personalizado,
Forçando-o a correr mais de duzentos metros,
Enquanto seu neto ria um bocado
De dentro do carro, ouvindo música surfista
E achando aquilo tudo muito gozado.
Enquanto isso, o idoso e quieto vaqueiro,
Sob o turvamento da idade avançada,
Via sair da caatinga barulhenta
Um vulto negro como a sombria madrugada,
Que veio caminhando em sua direção
E à sua frente, firme qual matéria, ficou postada.
Esticando a mão trêmula pelo tempo,
Tentou acariciar o touro marrudo a arquejar.
Do carro, Tarso Mauro e Rômulo Augusto
Viam José Maria como que tentando tocar o ar.
– O velho guerreiro está divagando a saborear
O vento fresco do sertão que está a soprar.
CAPÍTULO 14
EPÍLOGO - O PERDÃO
“No fim, enfim... a paz interior.”
Entrementes o bizarro negro fungou
Próximo ao seu rosto enrugado,
Depois curvou a cabeça poderosa
Como que permitindo ser tocado.
José Maria, por um momento desconfiado,
Ficou ligeiramente enjoado.
Mas por fim respirou fundo
E humildemente a cariciou
A cabeça do imponente malvado.
Mas teve uma estranha sensação,
Como se aquela atitude de perdão
Estivesse libertando um escravo.
O barbatão agitou a vigorosa cabeça
E os olhos chamejantes ficaram normais.
Depois fungou e afastou-se devagar,
Como se houvesse encontrado sua paz.
Foi quando um enorme redemoinho
O envolveu e ele não foi visto mais.
O velho Coronel Doutor sorriu, melancólico.
Balbuciou: “No fim, enfim... a paz interior.
Qual o propósito da vida? O que é o amor?
Por que há dor? Eis-me aqui, meu Deus...”
Contemplou as cruzes à frente, bucólico.
“... Pronto para reencontrar os meus.”
Tarso Mauro arrepiou-se todinho
Diante do súbito frio indiferente.
Resolveu então levar o pai de volta pra casa,
Mas foi aí que se abalou completamente
Quando o viu de olhos abertos e imóvel,
Pois o ancião falecera serenamente.
Atônito e sem racional reação,
Muito emocionado afagou o pai, a chorar,
Mas não pôde deixar de notar
Um forte cheiro de enxofre no ar
E as marcas profundas de patas no chão,
Como se um touro estivera ali a andar.
Hoje, para quem quiser comprovar os fatos,
É só ir ao glorioso Estado de Pernambuco,
Pois todas as provas permanecem lá.
Debaixo de um juazeiro decrepto e caduco,
Quatro cruzes, numa delas um letreiro:
“Aqui jaz a última vítima do touro do juazeiro.”
Recentemente, foi construído um cruzeiro
No cume do outeiro do fazendeiro,
Donde outro enigma veio acrescentar,
Visto que após séculos sem vestígio de vida,
Não é que de repente o temido monte verdejou,
A nascente explodiu e a água voltou a brotar?
Quanto a se este é o fim da história, vou falar sério:
Nem eu e nem ninguém jamais poderá afirmar.
Afinal, a vida por si só, já é um enigmático mistério
E assim como a água evapora do mar e sobe pro céu
Onde vira chuva, rega a terra e volta pro mar,
Como saber se a maldição do barbatão negro não vai voltar?
FIM
Nyll Mergello