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CAPÍTULO 12
DOLOROSA SUPERAÇÃO
Depois daquela noite monstruosa,
José Maria ficou enclausurado.
Não sentia mais prazer na vida,
Nem mesmo no mugido do gado.
Até mesmo o querido cavalo Bretão
Que relinchava de saudade um bocado...
...ficou ao abandono relegado
Por mais de dez meses demorados,
Enquanto seu dono, triste e amargurado,
Chorava, jejuando e sentindo-se culpado.
E nada podia ser feito por ele,
Até seu sofrimento ser superado.
Por fim, em julho de 1918,
Ele resolveu voltar a viver.
Saiu para fora antes d’aurora
E sorriu sob cristalino amanhecer,
Depois celou seu cavalo Bretão
E cavalgou sem parar por mais de hora.
E enquanto José Maria cavalgava,
As lembranças afluíam e ele chorava;
Então corria mais e mais depressa,
Pois a brisa matutina o abraçava
E seu pesaroso coração se acalmava
Dissipando a culpa que o torturava.
Até que chegou ao alto da serra,
Donde via todo o mundão de meu Deus.
Desceu do cavalo e sentou-se no chão,
Pegou um punhado de terra,
Lembrou-se dos queridos familiares seus.
“Seus sonhos agora são sonhos meus.”
Decidido a se formar doutor,
Foi para a Guanabara a fim de estudar.
A Grande Guerra chegara ao fim
E a Europa se curvava agora
Diante do flagelo da Gripe Espanhola,
Que chegara pronta pra exterminar.
Quando já doutor, comentou certa vez:
“O bom Deus prepara o caminho,
Mas o homem faz a sua hora.
Bendito é o guerreiro que chora,
Porque o êxito precede o fracasso,
Mas o amanhã pode ser o agora.”
Quando regressou a Pernambuco,
Belquior mostrara-se por demais eficiente
E desempenhara um trabalho esforçado.
Os rumos não poderiam ter sido diferentes,
Pois sempre tratado melhor que parente,
Ele era muito mais que um empregado.
Mas a maior das surpresas
Ainda estava mesmo por vir.
Foi quando José Maria viu Ana,
Os dentes alvos a lhe sorrir.
O amor é uma dádiva imprevisível
E dele ninguém quer fugir.
Os dois haviam crescido juntos,
Mas José Maria nunca percebera
Que a linda filha de Belquior,
Trabalhadeira e dócil igual uma princesa,
Era o que a vida lhe reservava de melhor
– Um prêmio pra vida inteira.
Casaram-se logo no ano seguinte
E foram felizes por muitos anos mais.
Tiveram oito lindos filhos,
Coincidentemente, quatro casais.
Ironicamente, todos vocacionados
Em rumos opostos aos que davam nos currais.
Porém com o tempo decorrendo,
Cada um tomou sua própria direção na vida:
João José Maria Filho formou-se médico
E foi trabalhar na Capital baiana, Salvador.
Maria José casou-se com um político gaúcho
Aparentado com Getúlio Vargas e doutor.
Luís Carlos chegou ao posto de major
E subiu de patente após o golpe militar,
Quando mostrou talento em torturar.
Maria Aparecida casou com o Antenor,
Rico opositor do regime estabelecido,
Mas que achava conveniente não opinar.
Rita de Cássia virou uma linda freira
E optou pela clausura num convento.
José Belquior Neto elegeu-se Deputado,
Deixando o clã em grande contentamento.
Tarso Mauro formou-se em engenharia
E a Petrobras conheceu o seu talento.
Quanto à caçula, Mariana da Saúde,
Em Recife, fugiu da escola pra moças
E foi conhecer o Jardim Botânico.
Viveu a Liberdade Sexual dos anos 60
E o auge do Milagre Econômico,
Até que em San Remo*, casou com um rico britânico.
*Mariana da Saúde e Jason Cromwell se conheceram durante o Festival Internacional de San Remo de 1968, quando o cantor Roberto Carlos sagrou-se internacionalmente.
José Maria, o respeitado “Coronel Doutor”,
Conquistou tudo que um homem honrado,
Zeloso e dedicado poderia sonhar:
Casou com uma boa mulher por amor,
Teve filhos que educou primorosamente
E razões de sobra pra se alegrar.
Mas em seu íntimo, mesmo após tantos anos,
Uma grande frustração o fustigava
E nutria colossal desejo profano notório
De uma vingança que sempre se renovava
Através de pesadelos premonitórios
Indicativos de que o reencontro se aproximava.
Até que à tardinha de 11 de junho de 1996,
Aos 93 anos de idade e abundante filantropia,
D. Ana Marieta Severa de Jesus Xavier
Veio a falecer, deixando grande saudade,
Depois de quase setenta anos de bondade,
Caridade, entrega total e extrema felicidade.
Em seu funeral, aberto ao povo da terra,
Gente de todos os níveis e idades variadas,
Da cidade e da roça, até os confins da serra,
Chorosos e agradecidos por todas as dádivas.
As crianças da Fundação, num coral a cantar,
Lamentavam o glorioso fim de uma Era.
Da família, vindos de todos os lados e regiões,
Muitos descendentes, quatro gerações,
Mais de duzentas almas presentes;
Um misto de raças diferentes quais legiões,
Do sangue puro em primeiro grau, aos parentes,
Uma abundância de sotaques e padrões.
Quanto ao Patriarca da família,
O coronel José Maria Caciano Manoel Xavier,
Caiu em profunda e nostálgica depressão
Após o passamento de sua mulher,
Sustentáculo de sua grande fé e paixão
E por um tempo, não se manteve de pé.
Por fim, em 29 de novembro de 2001,
Mais de 84 anos decorridos do fato macabro
Que matara sua mãe e seu gêmeo irmão,
Ele quis ser levado ao pé de juazeiro,
O qual ainda hoje permanece lá,
Como testemunha de uma antiga maldição.