NOTA AO LEITOR: PARA SUA TOTAL COMODIDADE, ESTE LIVRO PODE SER LIDO NA ÍNTEGRA POR VOZ NEURAL SINTÉTICA, BASTA VOCÊ CLICAR NO BOTÃO LOCALIZADO AO FINAL DESTA PÁGINA!
Capítulo 2
A Desistência
Por fim, expiradas três semanas exatas de trabalho árduo sem resultados positivos e perda de considerável massa muscular, o sensato analisou as mãos calejadas e doloridas. As costelas apareciam-lhe salientes no tórax emagrecido. Suspirou, meneando levemente a cabeça. Sentia-se exaurido ao máximo de sua resistência, física e emocional, mente já vencida pela falta de sucesso na atrevida façanha de tão ousado empreendimento aventuroso e incerto em terras tão distantes e inóspitas.
Agora o desânimo já começava a mostrar sua face em forma de dúvida. Uma dúvida cruel e instintivamente racional que o instigava ferozmente rumo a uma desistência inevitável.
Olhou ao longe o amigo quase desaparecido dentro de um buraco. Enxugou o suor abundante que brotava escorrendo de seu rosto moreno.
Segurou a moringa e sorveu um longo e merecido gole de água. Fechou os olhos e suspirou profunda e reflexivamente. Ao abri-los, tudo parecia mais claro e sereno. Estava desistindo de dar continuidade àquela busca árdua e infrutífera. Não valia a pena prosseguir, era como tentar alcançar o vento num redemoinho.
Ao fim do dia, já no acampamento, após tomar coragem, desabafou com o companheiro sobre sua desistência, instando para que ele também desse por finalizada a garimpagem inútil. Tentou de todas as formas fazê-lo aceitar o blefe da notícia que os trouxera até ali. Mas o amigo insensato mantinha no olhar o brilho da esperança e a convicção do êxito. O mesmo entusiasmo inicial o mantinha aceso em seus intentos, numa mórbida vontade e teimosa obstinação de localizar a tal jazida que o tornaria muito rico.
Diante da fixação do amigo e de sua irredutível certeza, não restou ao sensato outra alternativa que não fosse ir embora sozinho, embora com o coração em pedaços por deixar o companheiro sozinho. Assim sendo, abraçou forte e demoradamente o amigo, lutando internamente para não desistir da desistência recém-conquistada. Ambos choraram muito, um insistindo para o outro desistir de sua decisão. Mas ao sensato, o certo a fazer realmente era dar por finalizada aquela luta sem progresso e já sem qualquer sentido. Em contrapartida, ao insensato, o certo a fazer realmente era dar continuidade àquela busca que lhe parecia ter todo sentido do mundo.
Sem conseguir dissuadir o amigo, o sensato desejou-lhe boa sorte e foi refazer a longa e difícil jornada do regresso ao lar. Sem ouro, sim, mas com o coração transbordando de saudade de sua querida esposa e dos amados filhos.
Já conseguia até contemplar as carinhas alegres das crianças ao vê-lo retornar após tantos dias ausente. Antes mesmo que ele estivesse no terreiro de sua casa, viriam correndo a fim de abraçá-lo eufóricos. “Papai, papai! Papai voltou, mamãe!”.
Só de pensar naquilo, as lágrimas lhe escorriam pela face. Não tinha ouro no mundo que valesse tamanha felicidade.
E sua esposa, o que diria? Qual seria sua reação? De contentamento? Ou seria de decepção? De desgosto, talvez? Será que veria naquela desistência um fracasso?
Não! Após estreitá-lo longamente às lágrimas, ela certamente passaria a mão delicada pelo seu rosto, barba por fazer, e sussurraria toda carinhosa: “Eu não aguentava mais de tanta saudade, meu querido.”
Diante desse pensamento, o jovem homem sensato sorriu feliz e esporeou sua montaria, o coração apaixonado quase a sair-lhe pela boca. “Que ouro nesse mundão de meu Deus pode comprar tamanha felicidade?”, pensou.
E lá se foi ele a galope sob o sol abrasador. Sentia um alívio muito grande, pois tinha certeza que continuar aquela busca cega por ouro não lhe traria nenhum fruto, exceto muito dissabor. Tudo que mais almejava era chegar o mais depressa possível à sua singela casinha na roça bem no sopé da serra, onde as noites eram frescas e os dias agradáveis. Sentia saudade do entardecer, do som dos nambus e da presença sempre constante dos guarás a perscrutar do alto da serra o canteiro das galinhas sob proteção da cachorrinha Baleia.
Eram muitas léguas a ser percorridas e várias noites para atravessar. Mas logo toda aquela saudade seria aplacada. Esse logo no entanto parecia-lhe por demais demorado. Mas uma coisa era certa: toda aquela distância só servia para confirmar e aclamar seu amor incondicional pela família.
“Pouco com Deus é muito”, pensou, “muito sem Deus é nada”. E concluiu estendendo as mãos rumo ao céu, em agradecimento. "Que tesouro neste mundo é mais precioso que a vida, dom sagrado do Deus Todo-Poderoso? Pobre, sim, mas feliz pelas graças de Deus, o senhor do ontem, do hoje e do amanhã. O Deus que não há de me faltar!"