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CAPÍTULO 9
O REENCONTRO FATAL
Desmaiada sem poder esboçar reação,
Maria via o esposo (visão ou alucinação?).
Lívido e num peculiar gestual faceiro,
Ele acenava melancólico para ela,
Mas não movia o corpo inteiro,
Como que amarrado ao pé de juazeiro.
De repente lá estava o touro negro,
Parado e firme ao lado de José,
Que rezava nitidamente exasperado,
Enquanto Maria, sem conseguir ficar de pé,
Via o falecido marido transformar-se
Num ensanguentado João José.
Numa convulsão repentina, abriu os olhos
Após liberar um grito rouco e sufocado.
Não viu as montarias a postos,
E nem o filho estava a seu lado.
Foi quando em choque, viu o negro touro
E entre suas patas, um corpo imobilizado.
CAPÍTULO 10
A Busca – O Encontro!
Quando José Maria chegou à fazenda,
Trazendo novas cabeças de gado,
Já eram bem mais de dez horas.
Achou estranho, pois habitualmente
A mãe sempre vinha encontrá-lo.
Naquela noite não seria diferente.
“Será que minha mãe adoeceu,
Visto que meu irmão vai viajar?
E João José, onde estará ele agora?
Será que já foi embora antes da aurora,
Sem nem ao menos me esperar?
O homem faz sua hora, melhor ir averiguar.”
Deixou Belquior, Antônio, Manoel e Morgado,
Com a tarefa de encurralar todo o gado.
Eram homens eficientes demais
E que ali trabalhavam como vaqueiros
Desde os tempos de seu falecido pai
No século que já havia terminado.
O cavalo Bretão*, num rápido galope,
Parou à frente do casarão,
Ansioso para prosseguir no trote.
José Maria saltou ao chão,
Segurando à mão o seu chicote.
Adentrou a casa quase num pinote.
Passou pela dócil moçoila Ana
Tão concentrado que nem a notou
E nem percebeu sua nítida reação,
O modo carinhoso como ela o olhou.
(pois sempre que o tinha por perto,
Tremia-lhe o corpo e o inocente coração.)
Pelo gaguejar de Luzia, mãe de Ana,
Morena pankararu de uma região serrana,
Casada com o bravo e fiel Belquior,
O rapaz pressentiu logo o pior;
E quando Luzia relatou os fatos,
A notícia não era muito melhor.
Ainda de tardinha saíra a patroa Maria
Para um passeio com João José.
E até àquela hora, o dia há muito acabado,
Os dois ainda não haviam voltado.
Luzia ainda falava com o jovem patrão,
Quando Belquior chegou afobado.
“Patrão, o cavalo Murici e o Campeão
Chegaram agorinha mermo à fazenda,
Sozinhos e desembestados igual dois amaldiçoados!
E devem ter corrido quiném condenados,
Pois tão um bocado suados.
Nunca vi animais tão assustados!”
De imediato, sem pensar muito,
O jovem pegou o rifle e a cartucheira.
Na cintura, o facão e um punhal,
Pois ainda estava de gibão, esporas e bornal.
Em seguida montou o cavalo Bretão
E disparou em desabalada carreira.
Seguiu pela trilha rumo ao sul,
Pois conhecia cada palmo por léguas,
Como se fosse o seu próprio quintal.
Pretendia correr sem tréguas,
Aproveitando o luar intenso,
Porque algo lhe cheirava muito mal.
Os vaqueiros seguiram juntos,
Alarmados e armados até os dentes,
Como que indo pra guerra.
Mas se separaram quilômetros à frente
Para melhor vasculhar a terra,
Da planície até os confins da serra.
O combinado foi muito bem explicado
Entre todos os cinco vaqueiros,
Antes mesmo de gritarem “AVANTE!”:
Quem primeiro encontrasse pistas,
Avisaria os demais companheiros
Pelo poderoso toque do berrante.
Por alguma razão obscura, José Maria,
De instinto muito apurado e aguçado,
Resolveu seguir pela antiga trilha
Onde em remotos tempos passados,
Soldados holandeses haviam sido massacrados,
E mais recentemente servira como rota de gado.
E quanto mais ele fosse ligeiro,
Tanto mais cedo chegaria
Ao arenoso e nostálgico Riacho Seco,
No setor onde estava localizado
O antigo e assombrado pé de juazeiro
Em seu misterioso enigma intrínseco.
Seguindo aquela mesma trilha
Onde abundavam as onças do sertão
E guarás vagavam em matilhas
Pela vereda qual vergão,
De pedregulhos mesclados à areia
E piçarra no centro do seco ribeirão
Seguia beirando a margem acidentada
Do riacho pela maldição esgotado.
E antes de circundar o Outeiro do Fazendeiro,
Levou um susto muito incrementado,
Quando ao lado da cruz - debaixo do juazeiro-,
Estava um touro negro com pose de brabo.
Era uma imagem difícil de acreditar,
Pois o animal negro era deveras um colosso.
Uma sombra sinistra, firme a olhar
(Daquelas que fazem o doce ficar salgado,
O salgado ficar indigesto e insosso
E o bife virar um osso difícil de mastigar.)
Com o coração em ritmo acelerado
E a mente fervilhando de emoção,
Lembrou-se do pai, bravo e obstinado,
Sobre o dorso de um enorme touro negro
Que pulava como um endiabrado
E despedaçava até mourão petrificado.
Não tinha motivos para duvidar:
Ali estava o matador de seu pai,
Contra o qual José Maria,
Desde tenra criança, jurara vingança.
Daquela ele não poderia escapar,
Apesar da pose de inabalável confiança.
Era como se o monstro gigantesco
Já estivesse à espreita a esperá-lo,
Pois se voltava na direção de sua chegada,
Como que impaciente a aguardá-lo.
Quando o viu, lançou-se num impulso,
Mas freou abrupto a encará-lo.
Um frio na espinha de José Maria
Insistia impelindo-o a voltar,
Mas seu arraigado instinto de vingança
Persistentemente o incitava a avançar.
Nem percebeu o repentino nevoeiro
Que já circundava todo o lugar.
Nisso, deu sinal pro cavalo Bretão,
De raça imponente, altivo e vigoroso,
Que impulsivo sem vacilar,
Avançou destemido contra o maldoso
Que se agitava empertigando-se todo,
Num inquieto furor amargo e belicoso.
*O nome Bretão não é uma alusão à raça do animal, natural da Bretanha,
Mas ao nome próprio dele. Outrossim, o Bretão em pauta era um garanhão
respeitado, do qual originou-se uma famosa linhagem de campeões do sertão pernambucano.