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Vigésima Quinta Parte
Negros Versus Neonazistas
A hora da verdade Até chegar certo nível de ordem e sentido em toda aquela bagunça nacional, o preconceito era a arma mais letal, alimentando antigas rixas e mágoas latentes em cada estado. O MoNFIG (Movimento Negro em Favor da Igualdade Geral), um grupo gaúcho composto somente por negros, recém criado, passou a atacar indiscriminadamente, levando o terror às lindas cidades das serras gaúchas, onde populações pacíficas viram seu paraíso ser transformado em escombros.
Brancos inocentes pagavam pelos atos de grupos racistas. Ao mesmo tempo, facções neonazistas faziam um verdadeiro massacre na população negra e em outras minorias, não poupando nem mesmo mulheres, crianças, velhos, inválidos, doentes, e em muitos casos nem mesmo seus pobres animais de estimação, que sofriam a mesma sorte de seus donos escalpelados, violentados, guilhotinados, empalados, queimados vivos, afogados, lançados de pontes, atropelados, esmagados, arrastados pelas ruas e pelos campos... O horror não conhecia limites. Era tão desumano e monstruoso que o papa chegou a comentar ironicamente (ele não sabia que estava sendo filmado secretamente) que se o próprio capeta ousasse pisar em território brasileiro ele seria esfolado vivo.
Na mesma ocasião, ao ser perguntado sobre o pedido de visita às terras brasileiras em conflito, a fim de apaziguar os ânimos no país mais católico do mundo, o Pontífice desabafou (obviamente sem saber que estava sendo filmado por um bispo mui amigo de sua santidade).
– Eu que não vou entrar naquele inferno sem solução! Do jeito que as coisas estão por lá, é bem capaz que queiram me empalar, ou estuprar, vai saber... Deus que me livre. Qualquer coisa eu finjo que estou doente e envio um representante da Santa Sé. Se for pra ser escalpelado ou estuprado, ou mesmo devorado por esses canibais mortos de fome, que seja ele, não eu. Imagina, após dois mil anos, justo o Papa número 266, ter que passar por um constrangimento desses. Jamais! Quero mais é que o Brasil e suas macaquices se explodam e vão pros quintos dos infernos. Abaixo o Brasil, viva Argentina!
Após o desabafo do Papa ser difundido na internet (não se sabe como isso aconteceu!), centenas de igrejas foram incendiadas e tantas outras centenas de padres viraram espantalhos em muitas fazendas na América portuguesa.
Enquanto isso, no Sul, surgiu um boato de que muitos negros desaparecidos haviam sido na verdade transformados em comida enlatada, linguiça e salsicha. E ainda segundo os boatos, galpões secretos estavam repletos de homens e mulheres negros, todos condenados a virar comida enlatada, já que comida era um bem precioso naqueles dias.
Não demorou muito até que surgisse um contra-boato de que os negros estavam fazendo a mesma coisa com os brancos. Até que sob os escombros da Revolução, negros e brancos marcaram pela internet – que continuava funcionando – um encontro para tirar o impasse. Foi determinado que a desforra entre os dois grupos ocorreria em determinado lugar, com início exatamente tal hora (Com exceção de armas de fogo, todo o resto era permtido), com transmição ao vivo pela internet. No dia marcado, os dois grupos se encontraram no local determinado.
Eram dois verdadeiros exércitos de gente de todas as idades e ambos os sexos, todos sedentos de sangue e armados até os dentes (paus, cacetetes, tacos de baseball, facão, enxadas, cadeiras, foices, machados, panelas, motosserras, cortadores de grama e até garfos).
Qualquer coisa que causasse danos e tirasse sangue dos inimigos seria muito bem-vindo. Tudo era arma, tudo era permitido. Até os cães, devidamente trajados pro conflito, estavam ansiosos dos dois lados – havia uma abundância de cães da raça pitbull, babando de vontade de rasgar carne humana. Teve até um maluco que levou seu arisco gato abissínio para contemplar e participar da batalha insana. Os olhos atentos a partir de uma mochila às costas do sujeito, o bichano parecia mais apavorado que interessado.
Vigésima Sexta Parte
Uma batalha do CAPETA!
Quando ambos os lados deram seu grito de guerra e avançaram enlouquecidos uns contra os outros, o sangue espirrou pra todos os lados. Cabeças rolavam e tripas se espalhavam pelo chão, em meio a gritos de dor e o som abafado de lâminas cortando carne humana. Braços ficavam para trás e pernas se separavam de corpos, olhos eram arrancados de suas órbitas, dentes eram quebrados, maxilares ficavam pendurados e o capeta realmente se mostrou presente - literalmente -, sentado numa elevação a contemplar de camarote toda a cômica tragédia humana que se desenrolava ali, diante de seus olhos negros como a noite. Uma carnificina para para seu bel-prazer e deleite.
Mas súbita e inesperadamente, enquanto a batalha estava longe de seu auge mais glorioso, eis que o capeta, em sua forma carnal e absorto em imprudente distração, ouviu uma voz de menino atrás de si.
– Então, tchê? Estás aqui de comandante dos branquelos?
O diabo se voltou, surpreso. Estava tão empolgado com a sanguinolência que até se esquecera de ficar invisível. Diante dele, um negrão que em nada tinha a ver com aquela voz de piá mijão.
– O quê? reagiu surpreso e com desprezo.
Era um baita preto, desses de dar medo. Pelo menos dois metros, vestindo uma camisa do UFC, e ostentando com a mão direita um taco de baseball, com o qual batia levemente na mão esquerda. Seu olhar penetrante, dava evidências claras de que aquele taco tinha um destino certo – Destino que o capeta até sentiu um arrepio só de pensar, antes de engolir em seco.
– Estás com medo de entrar no combate, franguinha? Perguntou o grandão com aquela voz tão fina que o capeta se segurou para não se cagar todinho de tanto rir, pois veio-lhe à mente na hora, um certo ex-campeão BR de UFC, que estraçalhou os ossos da própria canela fina, ao dar um de seus fulminantes golpes num adversário yankee de responsa.
- Que foi, guri?, o capeta tirou onda, se segurando para não cair na gaitada. – Parece que nunca viu o capeta! Que queres, a me encarar com esse olhar de gorila esfomeado? Não devias estar num centro de umbanda, agora, preparando alguma galinha preta pra uma macumba? Vai fazer um rap ou um pagode por aí, vai, ô, negrinho do pastoreio! Senão, diz logo o que quer e vai-te daqui, senão eu vou perder toda a carnificina!
O rapaz riu, confiante de si e cheio de más intenções, a analisar o racista do inferno.
– Perguntei se estás com medo de entrar na luta, feioso!
– Que nada, crioulo, – respondeu o capeta, segurando a risada que estava quase se libertando numa gargalhada diabólica –, só estou a me aquecer antes de cair na gandaia e quebrar muito pescoço de macaco!
– Crioulo é tua vó, seu nazista de merda!
O golpe do “negão” foi tão forte e avassalador que nem mesmo o capeta conseguiu se esquivar. A cabeça do decaído se desprendeu do corpo e voou em direção ao campo de batalha, onde foi pisoteado e lançado para todos os lados, como uma bola de futebol.
Lá pras tantas, no calor da luta, um neonazista se viu em desvantagem diante de um grandão e saiu num pinote, mas o afrodescendente tateou o chão em busca de algo para lançar na cabeça do covarde. Não encontrou nada, exceto a cabeça do capeta a olhá-lo com os olhos esbugalhados.
– Vai tu mesmo, cabeça horrorosa!
E o fortão agarrou o cabeção no chão e fez mira no fujão, que corria igual uma gazela em direção à elevação para se salvar. O lançamento visava a crânio do covarde. E enquanto se aproximava do desertor, a cabeça se negou a se espatifar novamente, tamanha a força com que o gigante a lançou.
– Eu vou é cascar fora desse inferno, agora!
E assim que estava a poucos centímetros de acertar o fujão bem na nuca, a cabeça viva do capeta gritou num eco:
– FUI-ME!
Explodiu, se dissipando no ar. Com a explosão, o fujão praticamente virou um amontoado de carne moída, para delírio do negrão que fizera o lançamento certeiro.
– Eita, tchê! – exclamou ele – E não é que eu lancei foi uma granada em forma de cabeça?
Vigésima Sétima Parte
Acerto de Contas
Após o fim da guerra, o desejo de se recuperar do baque era tão forte que a população iniciou um trabalho incansável para por as coisas em ordem novamente. Mas era preciso uma grande motivação para provar que os novos tempos valeriam a pena. Assim, teve início uma série de julgamentos de políticos suspeitos de desvio de dinheiro e corruptos declarados. Os presidíos de segurança máxima ficaram abarrotados de gente poderosa, que passariam a sentir na pele o que os presidiários comuns sentiam antes das mudanças trazidas pela guerra civil.
No fim das contas, nunca se viu tanta gente influente sendo trancafiada, condenada ou perseguida ferozmente pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, únicas instituições, além da imprensa, que conseguiriam manter o respeito e sobreviver mesmo durante todo o inferno da guerra civil, que durara apenas um ano e cinco meses, mas que deixara um saldo monstruoso de mortos.
Vereadores, prefeitos, empresários de renome, deputados estaduais e federais, senadores, magnatas considerados intocáveis e toda sorte de gente poderosa, grandes peixões do imundo oceano da corrupção brasileira, todos fisgados pelos anzóis da justiça sedenta de fazer cumprir os rigores da lei.
E por fim chegou a vez daqueles que estavam no topo da cadeia alimentar, os tubarões que tudo sabiam e fingiam nada saber: o Presidente da República, seu Vice-Presidente e todos os ministros, uma verdadeira quadrilha composta dos piores cafajestes que já haviam tomado as rédeas na liderança do Brasil. Retirados algemados das residências oficiais, de maneira aberta, aos olhos de toda a população e da imprensa mundial, numa demonstração firme de que nos novos tempos, ninguém estava acima da lei. Foro Privilegiado? Nunca mais! Prisão especial? Virou piada! Era o fim dos privilégios. Todo cidadão é igual e deve ser tratado de maneira igual. Assim como o sol ou a chuva não fazem distinção entre ricos e pobres, negros ou brancos; da mesma forma, as leis não são para benefício de alguns e prejuízo de outros, mas todos devem ser julgados de maneira igual e imparcial, com o mesmo rigor ou a mesma brandura, pois todos estão sob a lei, mas ninguém está sobre a lei. Foram criados os presídios Corruptolândia 1, 2 e 3, só para gente de alto escalão. Próprios para abrigar políticos das esferas municipal, estadual e federal, assim como empresários e policiais civis e militares.
Em muitos casos, famílias inteiras (com exceção de crianças), foram morar por muitos anos nas Corruptolândias. O Presídio Corruptolândia1 foi especialmente projetado para presidentes, ex-presidentes, vice-presidentes, ministros de estado, parlamentares, juizes federais, e assim por diante. Já o Presídio Corruptolândia2 era especialmente para toda sorte de autoridades estaduais, e por fim o Corruptolândia 3, destinado às incorrigíveis autoridades municipais.
Quanto às outras espécies de crápulas (empresários colarinho branco, policiais civis e militares, sindicalistas, delegados de polícia, pastores evangélicos, padres, médicos, dirigentes de futebol, advogados e toda sorte de bandidos e cafajestes – a exceção ficava por conta dos profissionais do tráfico, que já tinham um setor especialmente projetado na medida certa para eles), estes eram enviados para superpresídios construídos também em plena selva amazônica, denominados Complexo Infernal 1, 2, 3 e assim por diante, cujo acesso seguro só podia ocorrer por via aérea.
Abaixo desses complexos aterrorizantes – ou seja, nos subterrâneos (pelo menos cinquenta metros da superfície) –, ficavam os setores com nomes de políticos considerados corruptos irrecuperáveis e desprovidos de qualquer senso de humanidade. Eram destinados à corja mais desprezível do mundo do crime: os traficantes. Ali eles permaneciam completamente isolados e incomunicáveis, tendo direito a apenas um banho de sol por mês (Como resultado, o crime de tráfico praticamente foi extinto no Brasil da CONUBRA). O primeiro desses complexos prisionais de segurança máxima ao extremo, a ser inaugurado, foi o Setor Eduardo Cunha, homenagem a um dos políticos mais desprezíveis e nojentos da história política recente do Brasil. Um dos maiores ladrões que o povo brasileiro já elegeu, acusado de desviar milhões e milhões para contas secretas no exterior. Segundo investigações posteriores, o safado, com o apoio da esposa pilantra, abrira contas em nome dos filhos, dos sogros, dos pais, dos avós, dos bisavós, de empregados – e se brincar, até em nome dos cachorros da família.
O pilantra era um genuíno calhorda, um sem-vergonha de marca maior. Claro que para ele tudo se tornava muito mais fácil, afinal como Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, ele era um dos políticos mais poderosos do país, tendo em vista que pelo artigo 80 da Constituição da República Federativa do Brasil, o Presidente da Câmara dos Deputados era o segundo na linha de sucessão presidencial, sucedendo ao vice-presidente em caso de impedimento ou vacância do cargo de presidente da República.
Além do mais ele sabia como intimidar os deputados puxa-sacos a fim de ganhar apoio político para suas armações. Fuga Impossível É. Mas quando chegou sua hora de encarar os tribunais da CONUBRA, sua malandragem, molejo e cara de pau cariocas, não o salvaram das novas leis, famintas de justiça e imparcialidade. Sob as leis da CONUBRA, certos juízes, promotores e diversas outras autoridades justas – anteriormente limitadas e sufocadas por leis famigeradas e dobráveis –, remanescentes do podre sistema extinto, finalmente tinham certeza da aplicação e cumprimento de veredictos para bandidos de alto nível, antes protegidos pela alta cúpula do poder.
Os novos tribunais estavam ansiosos de fazer cumprir e ver ser cumprida a nova legislação, no pleno rigor absoluto de sua sede de justiça, que vinha com força total atender a plenitude do clamor das massas oprimidas, ora aliviadas de seu histórico fardo. Julgado e condenado – assim como centenas de outros safados –, chegou a vez do deputado Eduardo Cunha pagar por todos os seus pecados nos presídios da CONUBRA, onde ele comeu o pão que o diabo amassou, e ainda um pouco mais que isso. Sem contar que todos os seus bens foram confiscados pelo Estado e sua família teve que se adaptar a uma vida de classe média baixa, à qual não conseguiu se adaptar e quando menos se esperava, lá estavam todos trabalhando numa banquinha de feira para sobreviver. Condenado a 120 anos de reclusão – mesma pena da maioria dos corruptos julgados –, ou seja, prisão perpétua, o folgado arrogante do Eduardo Cunha vai passar o resto de seus dias miseráveis atrás das grades no Presídio Corruptolândia1, onde sua postura sempre altiva e aquele jeitão cheio de ginga e superioridade, já definharam há muito tempo. Desgraçado. Mas apesar da dura pena recebida, ainda teve gente que protestou nas ruas de várias cidades, pois uma parte da população indignada queria que ele ficasse confinado junto aos traficantes, no Complexo Infernal 1, que carregava seu nome. Isto, porém, estava fora de cogitação, afinal ele era político de primeira grandeza, e devia ficar no espaço reservado aos de sua laia – que não era lá muito melhor que os subterrâneos dos Complexos Infernais, onde segundo boatos, vários traficantes já haviamenloquecido, além de inúmeros outros que cometeram suicídio. Enfim, todos os criminosos da CONUBRA eram enviados para estes superpresídios de segurança máxima – no sentido mais profundo e irrefutável da palavra. Dali, mesmo que conseguissem escapar – possibilidade fora de questão –, seriam inevitavelmente devorados pela floresta amzônica. E quando digo devorados, entenda-se literalmente, pois toda a área, não bastasse ser uma região remotíssima e repleta de feras, ainda era cercada por rios cheios de sucuris gigantes. E pra completar, existia por ali uma tribo descoberta recentemente pelas forças armadas, que vivia muito primitivamente: os Kacetete. Um povo antropófago que o governo da CONUBRA preferiu não importunar por enquanto, a fim de não interferir em seu modo de vida e costumes. Na verdade, no que diz respeito ao hábito canibal desse povo, veio muito bem a calhar, pois serve de alerta pros condenados. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Até já surgiu uma piada hilária entre as tropas de segurança do complexo, segundo a qual o ex-senador da República, Aécio Neves da Cunha, mais um dentre as centenas de corruptos de alto escalão condenados, conseguiu fugir do complexo, mas foi capturado pelos Kacetete, que após darem um monte de cacetadas em sua cabeça pra que se acalmasse o devoraram numa grandiosa cerimônia canibal. Comenta-se que as consequências vieram por meio de uma terrível dor de barriga, mas tão indigestiva que os selvagens cagaram quase toda aquela parte da selva. Quando os homens do exército, enviados para resgatá-lo dos selvícolas o encontraram, foi em forma de bosta espalhada por toda a mata, e obviamente, de ossos.
Aliás, ossos que ao contrário de sua alma negra e corrupta, eram branquinhos, branquinhos. “Evidente que é impossível fugir daquele lugar apavorante, e que o ex-senador se encontra lá, juntamente com os de sua laia, onde juntos ficarão até o fim de suas vidas miseráveis. E podem até se considerar felizardos por estarem entre os trinta por cento que sobreviveram à fúria da guerra, pois a maioria absoluta dos corruptos foi trucidada pela vingativa população durante o desenrolar da Revolução. Os que às duras penas conseguiram escapulir às mãos da justiça ou da população, certamente deram-se por satisfeitos de estarem vivendo nos esgotos, entre os ratos. Estes são os que ainda conseguem se esconder sob a máscara da mendigância.
E mesmo assim, hora ou outra terão que prestar contas com a lei, já que na Nova Ordem não existem pessoas miseráveis. Quem se mantém na sarjeta, certamente é porque não quer se identificar. E assim, numa triagem e outra os bandidos vão sendo identificados e presos. No fim das contas, o grande projeto de reestruturação dos esgotos acabará por forçar o restante a voltar à superfície, onde não escapará de seu destino certo, a PRISÃO PERPÉTUA.” (Matéria publicada no Jornal Diário do Cárcere) Corruptos atrás das grades. O sistema estava completamente contaminado e precisava sofrer uma faxina geral. Enfim, um mundo de bandido que precisava ser colocada fora de ação imediatamente. E os clamores populares não ficaram sem respostas: todo mundo (dos sobreviventes) foi parar atrás das grades, sem escapatória e sem privilégios. Uma lista quase infinita de figurões. Lista recheada de safados, todos peixes grandes.
Em Brasília não sobrou pedra sobre pedra no que se refere à corruptolândia que reinava no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto. Mesmo grandes nomes do meio judiciário sucumbiram sob as luzes da Revolução, pois também estavam contaminados e não eram bem-vindos na Nova Ordem Judiciária da CONUBRA. Toda a alta cúpula do poder foi destituída e renovada, e quem não foi parar em algum superpresídio, é porque desapareceu em meio a tantos outros desaparecidos, ou foi encontrado em alguma quebrada com a boca cheia de formiga. Pode-se dizer que um ou outro até conseguiu escapulir do país. Mas foram casos isolados e não comprovados. Nunca época assim, tão promissora, era desnecessário emitir mandados de prisão coercitiva. Pra que coagir ou intimidar criminosos notórios, bandidos colarinhos brancos, quando podiase arrancá-los da cama, de cuecas e conduzi-los para a delegacia, humilhados e rebaixados para delírio público? As prisões viraram um espetáculo disputado pela mídia, pois era o show mais assistido pela população desejosa de justiça.
O sistema cercerário, que antes estava lotado de criminosos comuns – muitos dos quais enjaulados há décadas sem sequer haver sido julgados –, agora se encontrava apinhado de toda sorte de gente grande comprometida com a safadeza e a irregularidade que antes vigorava no Brasil unificado. E quase não sobrou político pra contar a história, porque definitivamente o sistema estava podre. De vereador até o mais alto cargo da República, tudo estava contaminado. Milhares desses ficariam engaiolados a espera de julgamentos que durariam uma eternidade para acontecer, visto que problemas mais urgentes tinham prioridade, como por exemplo estabilizar o caos implantado pela guerra.
Não tinha como resolver tudo ao mesmo tempo, então colocava-se a solução do caos à frente dos problemas judiciais e deixava-se a corja mofando atrás das grades até que fosse possível organizar julgamentos e efetuar as condenações necessárias. Uma coisa era certa: naquele meio sórdido e imoral não havia ninguém inocente, e ninguém escaparia aos rigores da Lei. Dessa vez os clamores populares estavam sendo plenamente correspondidos. E na medida certa. As prerrogativas do princípio de presunção da inocência não tinham vez para aquela verdadeira legião de canalhas. E nada parecia mais prazeroso que vê-los apodrecendo atrás das grades.
Em cada região as leis procuravam ser mais severas para com os acusados. Bons tempos aqueles em que as brechas das leis concediam regalias a pilantras de alto escalão. Bons tempos aqueles em que desavergonhados sem escrúpulos podiam recorrer às muitas falhas do sistema e até poder responder em liberdade por crimes cometidos contra o patrimônio público. Em contraste com as milhares de prisões efetuadas, as lideranças tinham uma preocupação genuína em recuperar dependentes químicos e retirar as crianças das ruas, assim como rever milhares de processos e desfazer milhares de erros judiciários e arbitrariedades cometidos.
Muita gente condenada foi considerada inocente e teve seus nomes limpos. Milhares de outros receberam generosa redução de suas penas, e ainda tantos milhares de outros foram perdoados por conta de sua contribuição à guerra, na qual haviam lutado bravamente. Milhares de homens e mulheres foram condecorados. Se a corrupção reinava antes da Revolução, nos novos tempos, sob a CONUBRA, esse tipo de crime seria considerado Crime Hediondo.
As leis provisórias haviam se tornado radicalmente inflexíveis e nem um pouco sedutoras para quem estava habituado a subornar ou ser subornado. Os novos legisladores não estavam nem um pouco a fim de dar trela pra corrupto. Se era pra mudar tudo, extinguir e cortar o mal pela raiz, então seria preciso deixar de lado os sentimentalismos e choramingações tão típicos aos povos de origem latina e fazer o que tinha que ser feito. Os poderes executivo, legislativo e Judiciário sofreram uma interferência tão profunda e avassaladora que poucos escaparam à peneira anticorrupção. Era impreterível fazer isso. O joio foi separado do trigo de maneira irremediável e irredutível. Dessa forma, novos pensamentos, novas ideias, novas mentalidades, novas maneiras de interpretação das leis, foram somadas à coragem e determinação dos novos tribunais, que mostraram que as leis seriam aplicadas em seu inteiro rigor, não importando a quem ofendesse ou deixasse de agradar. Surgiram novas realidades.
Ficou comprovado que tudo que o país precisava era sair do velho hábito do “toma lá, dá cá”, ou o antigo costume de um bandido lavar a mão do outro, num verdadeiro ciclo vicioso. Enfim, no sistema erradicado, ninguém era inocente. Todos andavam sobre piso de mármore sob o qual escorria um mar de lama. Mas acima de suas cabeças, todos viviam sob tetos de vidro, e tudo que faltava era uma chuva de granizo pra estilhaçar tudo. E essa chuva veio, na forma da guerra civil que destronou os poderosos e restituíu ao povo o que era do povo: seus direitos (negados), seu orgulho-próprio (ferido), sua auto-estima (derrubada), seus sonhos (roubados), sua liberdade (subtraída); enfim, sua soberania completa e inviolável. Por tudo era preciso uma nova bandeira, pois aqueles novos tempos precisavam de um novo lema à altura de sua ousada empreitada bélica, coroada com o sangue de centenas de milhares de combatentes. Isso sem contar as milhares de vítimas inocentes, entre mulheres, idosos e crianças.
O saldo de mortos era assombroso, e os novos tempos tinham que valer a pena, pois tanto sangue derramado precisava ser honrado, a fim de que tudo aquilo não houvesse sido em vão. Sim, os mortos da Revolução seriam honrados. As novas gerações, agradecidas, teriam uma justiça de fato funcional e uma distribuição de renda justa. Todo esforço necessário seria empreendido para que o ideal coletivo se realizasse e não ficasse simplesmente restrito a um mero sonho.