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Makhara - O Vale Amaldiçoado dos Ventos Uivantes
"Nada mais me resta, exceto um punhado de poesias em forma de lágrimas;
foi-se meu mundo às mãos de aventureiros sórdidos e famintos de ouro..."
A vila ficava entre duas montanhas que nasciam nas planícies desérticas de Makrhara, a leste, e corriam paralelamente rumo ao ocidente infinito, onde
a terra entre serras começava a afundar de maneira acidentada e gradativa, findando abruptamente no Vale dos Ventos Uivantes,
onde as duas montanhas provindas do oriente eram interrompidas e fundiam-se repentinamente com uma terceira montanha que nascia nos confins do
sul e escorria em direção ao norte, onde se perdia de vista.
Aliás, que vista! Do alto das montanhas, a visão era espetacular. Infinita como a própria terra, era o meu mundo. E em questão de beleza, não acredito
que aquele paraíso fosse inferior ao jardim do Eden.
A vila, lá dentro do vale, era apenas um pontinho insignificante, minúsculo demais para ter qualquer importância em meio a toda
a grandiosidade daquele mundo perdido, onde o esplendor da natureza e uma extraordinária variedade de vida pareciam imunes às influências nocivas do homem externo.
Nenhum estranho jamais ousara adentrar a fundo o lugar, pois o terror assombrava quem quer que tentasse fazer isso, uma vez que a lenda dos
"amaldiçoados" era mais poderosa que a curiosidade de qualquer intruso aventureiro e desejoso de desvendar os intrínsecos mistérios do vale.
Enfim, meu mundo ainda era estranho aos desbravadores destemidos que anseiam ardentemente a conquista de terras hostis e perigosas,
indiferentes aos paradoxos da natureza e os terrores dos supersticiosos que limitam suas vidas por conta de crenças vãs e tolas.
Desta forma, nem eu e nem qualquer outra criança ou jovem jamais vira alguém que não fosse nativo do vale, onde vivíamos segundo nossas próprias leis e regras. Dez famílias, quarenta almas, entre homens, mulheres, idosos, meninos, meninas, órfãos e órfãs.
No entanto, uma vez a cada trinta dias, o Conselho do Povo se reunia a fim de escolher cinco homens para a missão de viajar rumo ao leste, além da cachoeira
dos perigosos lobos uivantes, de onde regressavam geralmente cinco dias depois com os dez mulos lotados de cargas. Havia muita coisa, entre medicamentos,
sabão, sabonete, xampu, roupas, alimentos interessantes, entre muitas outras outras novidades que não dispúnhamos no vale e que só aumentavam minha curiosidade
sobre o mundo lá de fora. Afinal, se lá era tudo tão perigoso e ruim, por que nossos anciãos continuavam a buscar itens de lá para nós, os do vale?
De uma coisa eu estava certa, o vale era o nosso paraíso, nossa dádiva da parte de Deus, lá estávamos protegidos e seguros.
Desde pequenos, aprendíamos sobre os perigos e as maldades do mundo além das montanhas. Éramos ensinados a nunca tentar ir além da "Cachoeira dos Lobos",
localizada vários quilômetros a leste. Da mesma maneira, não devíamos jamais sair da proteção de nossas montanhas sagradas,
no máximo contemplar as belezas além, vista do alto, pois Deus nos havia nos presenteado com aquele lugar, longe de todas as pragas, doenças e maldições que assolavam
o mundo dos outro lado, onde gracejavam a tristeza e doenças horríveis, além do egoísmo, da maldade e das guerras constantes.
Mas em meu íntimo, eu sentia uma imensa curiosidade de saber como era o mundo lá fora,
como eram as pessoas, como falavam e como se vestiam... Segundo aprendíamos, as pessoas lá de fora não sabiam de nossa existênica,
e os poucos que haviam tentado adentrar a fundo aquele mundo entre serras foram acometidos de indescritível terror ao se defrontar com a
alcateia de "lobos devoradores", os guardiões do Vale, que habitam as cavernas localizadas nas imediações da "Cacheira dos Lobos" e sabem fazer distinção
entre os abençoados, filhos dos vale, e os amaldiçoados, ou seja, forasteiros. Estes últimos não eram poupados, viravam comida da alcateia.
Aprendíamos que os lobos eram uma providência divina para nos proteger de intrusos invasores. Assim, sentíamos temor e respeitos pelos lobos, quase uma adoração.
Conseguíamos ouvir seus uivos ecoantes, principalemnte quando batiam os fortes ventos orientais, comprimidos entre as paredes das montanhas e sibilando entre
árvores e rochas. Ao chegar a vila, os ventos fortes era barrados pela montanha "Norte-Sul", expandindo-se sem fuga pelo vale e ascendendo rumo aos céus. Sempre
um espetáculo, mesmo para nós, as crianças do vale, que ficávamos extasiadas pela ação única da natureza daquele lugar. Muito embora não soubéssemos como era
o mundo lá fora. Cada vez que houvíamos ao longe o ecoar dos uivoss em uníssono, ficávamos excitados, pois assim como os uivos significavam a presença constante
dos lobos sempre prontos a repelir qualquer invasor, também significavam a chegada de fortes ventos que seguiam sempre o mesmo padrão, refreando-se na montanha
norte-sul e expandindo-se pelo vale antes de ascender rumo aos céus. Era fantástico, uma dádiva da qual nós éramos os únicos privilegiados.
No entanto, segundo a lenda, a existência do nosso paraíso dependia da manutenção de nosso segredo, pois no dia em que chegassem os forasteiros, uma poderosa
nascente explodiria da montanha, inundando todo o vale e extinguindo o nosso lindo mundo. Isto me parecia muito discrepante, pois ia contra o pacto do arco-íris,
firmado entre Deus e nosso antepassado. O pacto sagrado assegurava que o Criador não mais voltaria a destruir o nosso por meio de uma grande inundação,
como fizera num passado muito remoto. Então aquela ideia de que não poderíamos manter contato com outras supostas civilizações me parecia algo inventado
por algum ancestral somente com a intenção de nos manter afastados de outras civilizações. Porque em meu íntimo, eu sentia que fora daquelas montanhas, lá fora,
havia um mundo incrível a ser descoberto. Um mundo com pessoas iguais a nós, hospitaleiras e receptivas, ansiosas de manter contato conosco.
E assim, eu alimentava a ideia fixa de que um dia, quando não mais fosse criança, cruzaria as montanhas para o outro lado. Sim, eu faria aquilo. No íntimo eu era
impelida por um desejo persistente que assolava meu coração continuamente, alimentando a vontade que um dia me levaria descobrir as verdades que jamais
deveria saber. Aquela odisseia do futuro seria crucial e sob ela, eu perderia minha inocência. De um modo como nunca aconteceria se não tivesse permitido
ser conduzida por uma sede sem limites, além da própria razão. Após isso, meu passado de inocência, e meu paraíso perdido, seriam apenas pontinhos de tristeza
a me atormentar com a culpa e o remorso inerentes. Culpa por ter saído de meu mundo de paz para um mundo de conflitos e guerras, doenças e mortes,
violência além da compreensão de outrora.
Eu destruíra minha terra, meu mundo, minha civilização e meu povo. Em minha sede de conhecimento, eu havia destruído a mim mesma.
E por ter perdido meu mundo, eu destruiria civilizações inteiras. E minhas fúria insana ultrapassaria os séculos, as idades, as eras. Um trauma que
criaria milhares de outros traumas, pois minha sede de sangue e destruição não seria aplacada. Não até que viesse o fim. O meu fim.
O Vale Amaldiçoado dos Ventos Uivantes
A história de uma jovem guerreira que desejou descobrir a luz e conheceu a escuridão do louco e insano mundo dos homens.
Em sua jornada de vingança e sangue, chegou ao topo do poder e comandou homens rumo a guerras implacáveis.
sua fama alcançou os céus, e civilizações inteiras foram dissipadas pela força de sua fúria vingativa!
Continua...
Nota do autor | Informações sobre a origem dos ventos uivantes
... E a base para este preconceito e repúdio eram tão ingênuos e bobos que sempre foram razão para ironias e até mesmo piada entre o meu povo bucólico. Acontece que somente os ventos provindos do lado oriental adentravam o Vale, visto que o lugar era isolado de maneira natural pelas montanhas localizadas a oeste, norte e sul. Entretanto, as estranhas formações geológicas a partir do leste, produziam uma bizarra sonoridade que muito se assemelhava ao melancólico uivo de uma gigantesca alcateia solitária de lobos famintos. Daí a origem da assustadora lenda da alcateia faminta que disseminava o terror por aquela região remota. Lenda oriunda dos raros e poucos aventureiros que noutros tempos ousaram se aproximar daquele mundo encantado e escondido do restante da descendência de Adão. Meu mundo intocado, meu deslumbrante paraíso entre serras.
Por: Nyll Mergello