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A Maldição do Barbatão Negro - CAPÍTULO 8
A Maldição do Barbatão Negro - CAPÍTULO 8

NOTA AO LEITOR: PARA SUA TOTAL COMODIDADE, ESTE LIVRO PODE SER LIDO NA ÍNTEGRA POR VOZ NEURAL SINTÉTICA, BASTA VOCÊ CLICAR NO BOTÃO LOCALIZADO AO FINAL DESTA PÁGINA! 

  

CAPÍTULO 8

A Bonança Precede
a Tempestade

 

Aquele domingo, onze de agosto,
Foi um dia de intensa lamúria,
Penúria e profundo desgosto,
Quando ao entardecer encarnado,
O corpo de José, aos 25 anos,
Sob muito lamento foi sepultado.


Até o gado parecia estar sentindo,
Pois nunca se vira tanta quietude.
E enquanto familiares e amigos
Conduziam o sombrio féretro,
A chuva, em raios e trovões,
Caiu forte inundando o açude.


E o tempo indiferente foi passando,
Mas a dor de Maria não se aplacava.
E enquanto os gêmeos cresciam fortes,
Lá fora do Brasil o mundo se acabava,
Pois ceifando milhões de vidas,
A Primeira Guerra Mundial se alastrava.


Os europeus se destruíam
Numa carnificina sem noção,
E a Rússia, internamente,
Enfrentava uma revolução,
Enquanto o Ocidente rumava
Inexoravelmentre para a Grande Depressão.


No Brasil a vida prosseguia
Apesar do conflito mundial,
No qual nossa contribuição
Mal refletia nossa identidade nacional.
Mas os rumos do conflito grotesco
Eram de interesse universal.


Maria, então com 37 anos de idade,
Apesar de sua notória nostalgia,
Via os gêmeos chegarem aos 17 anos;
E de repente voltou a fazer planos,
Após anos de pranto, desânimo
E desalentada e mórbida poesia.


Os filhos, razões de sua vida sofrida,
Diferiam nos sonhos e nos ideais.
João José era calmo igual a mãe;
José Maria, a fiel lembrança do pai.
João José desejava estudar medicina,
Enquanto o outro amava os currais.


João José lamentava a guerra
E queria ser médico para salvar vidas.
Não tinha a rudeza do vaqueiro,
Mas sabia lidar com doenças e feridas.
Além do mais, aprendera com a mãe
A entoar lindas e antigas cantigas.


Quanto ao seu irmão semelhante,
Era perito no toque do berrante
E apaixonado por um gibão exuberante.
Destemido catingueiro cativante,
Bornal, rifle Winchester 44 a postos,
Cavalo troteador e o cabelo esvoaçante.


Desde pequeno, sempre obstinado
E em feroz e irredutível persistência,
José Maria dizia que um dia encontraria
O touro negro amaldiçoado
Que assassinara seu jovem pai
Com terrível furor imoderado e extrema violência.


Quanto a João José, estava prestes a viajar
Para a capital, onde iria estudar,
Pois seu desejo de ser doutor
Era tão puro quanto o próprio ar.
E se ser médico era seu sonho maior,
Então os estudos não podiam mais esperar.


Na véspera, à tardinha - antes do sol crepuscular,
Deu-lhe vontade de ir cavalgar.
De tanto insistir com a linda e jovem mãe,
Ela aceitou e mandou celar o cavalo Murici,
Filho mais velho da égua Ventania,
Que ainda vivia, mas não podia mais galopar.


Mãe e filho muito felizes,
Numa tarde de despedida,
O sol fraco, mas ainda a brilhar.
E enquanto o tempo corria,
Longe dali, o jovem José Maria
Conduzia um rebanho de admirar.


Depois de um passeio sem tréguas,
Maria e o filho resolveram voltar.
Nem perceberam as várias léguas
E a gradual ausência da luz solar
Que já sumira no distante horizonte,
Onde o arco-íris encontra o mar.


Na cavalgada da volta ao lar,
Sob uma generosa brisa a soprar
E o luar cândido do sertão
Que já despertava no outeiro,
Maria desconfiada não pôde ignorar
Aquele súbito e estranho nevoeiro...


... que fazia da tênue sombra
Escuridão e cego penar,
Conduzindo-os por alguma razão
Até o sinistro e antigo juazeiro
Onde sob o torpor do fantasmagórico breu,
Tombara seu amado pobre vaqueiro.


João José, em reverenciosa contemplação,
Olhava a velha cruz de madeira,
E em silenciosa veneração de luto,
Proferia uma singela oração.
Disfarçando, sua mãe chorava pelo amado astuto,
Precoce vítima de sua cigana maldição.


Enquanto isso, o nevoeiro repentino
Deixava o mundo em profunda escuridão.
Maria então se lembrou de um sonho que tivera,
No qual um menino aflito e de boa feição
Gritava apavorado em ecos de terror
E um touro negro mugia escavando o chão.


Numa atitude de instintivo alerta,
Mandou o filho esporear o cavalo.
Mas os animais, assustados, empacaram.
E num embalo retroativo impulsivo,
Empertigaram-se em insano pavor
E mórbido tremor incisivo compulsivo.


Sem conseguir dominar o cavalo Murici,
Maria perdeu a noção e o equilíbrio
E de costas foi em cheio rumo ao chão.
João José saltou em socorro à sua mãe,
Abraçando-a desmaiada contra si,
Bem pertinho do seu descompassado coração.


Os cavalos, num terror inexplicável,
Dispararam loucos pelo atalho ascendente.
João José, num gesto filial amável,
Tentava em vão despertar a genitora dormente.
Foi quando de repente ouviu um gemido
E se arrepiou completamente.


Ele tinha a mais nítida impressão
De que alguém ou algo os circundava,
Totalmente oculto pela putrefacta neblina.
Ouvia um arfar apavorante engasgado,
E seu coração pulsava descontrolado,
Dominado pela total adrenalina.


Nisso, do meio daquele negrume,
Qual sombra macabra de agouro,
Eis que surgia qual um negro ataúde,
A gigante figura rude e impune
De um demônio em forma de touro.
Aí a lua apareceu brilhante igual uma pedra ouro.


Seus olhos faiscavam como fogo ardente,
Era a postura de um campeão do mal.
Fungando em fúria descontente
Igual vagante assombração de curral,
Parecia aguardar o momento propício
Pra desferir um ataque mortal.