No fim, tratou-se de humilhação pública para virtualmente destruir a vítima, ou seja, eu. Mas a vítima, ou seja, eu, não era um qualquer! E mesmo diante das piores probabilidades, eu sobrevivi à cara de pau, à malícia, à maldade, ao cinismo e à hipocrisia dos que desejavam minha aniquilação. Sobrevivi e renasci das cinzas, para espanto, decepção e ódio daqueles que me detestam e sempre desejaram me ver de cima para baixo, seja por inveja, vingança ou simples dor de cotovelo. É isso, eu sobrevivi. Enfim, o mal não prevaleceu. Não que eu seja uma boa pessoa, não é nada disso. Muito pelo contrário, tenho muitas contas a ajustar diante de Deus. Meus pecados não são poucos. Mas isso é entre Ele e eu. Além do mais, que eu pague por erros reais e não por um punhado de mentiras muito bem forjadas e colocadas em ação da maneira mais suja e ardilosa, coisa de mente maquiavélica e sem escrúpulos.
Fui massacrado, trucidado de todas as formas, e me vi caindo num abismo de escuridão do qual parecia não haver volta. Enquanto isso, os sons de risadas ecoavam do vale dos segredos escusos. Risadas de megeras cruéis e mal-amadas. Isso não é simplesmente uma mera retórica metafórica, é real. Sim, fiquei sabendo posteriormente que as megeras do mal riam satisfeitas e ansiosas da ampliação de minha desgraça, a qual virtualmente só tendi a evoluir.
Afinal, o IBOPE estava em alta. Anteriormente, numa cidadela de Goiás, lá onde o Judas perdeu as botas, um lugar pelo qual passei por mera casualidade quando criava um atalho de retorno a São Paulo via Goiás e Brasília, de onde seguiria para a terra dos bandeirantes, com minha filha. Um tal capitão da polícia militar daquela cidade viu em mim a grande oportunidade de aparecer em rede nacional. E não perdeu tempo. Exigiu um mandado de prisão contra mim, e quando menos esperei, lá estava eu em rede nacional por um dos programas sensacionalistas mais conhecidos do país. Sendo conduzido a uma viatura para ser levado ao presídio da cidade. O show estava começando e a audiência estava em polvorosa. Era o momento de um capitãozinho de meia tigela "metido a Charles Bronson", do estado de Goiás, aparecer em milhões de televisores de todo o país. Aparecer como herói, é claro. Que oportunidade única.
Mas antes de me expor sendo levado para a viatura, eu fui colocado numa celinha lá no fundo, sozinho, enquanto do lado de fora da cela, tranquilamente algumas pessoas (ou uma, sei lá) trabalhava em um computador. De lá eu podia ouvir a agitação dentro da delegacia, comemoração geral, ao que parecia, com comes e bebes. Era uma algazarra geral, risos, parabenizações etc. Era a alegria de ter participado de um programa de televisão e de ter mostrado ao Brasil que aquela cidade existia. Tudo que eu mais queria saber era para onde eles haviam levado minha filha, que fora separada de mim logo que chegamos à delegacia. Pouco depois me trouxeram um lanche - por sinal muito gostoso -, e depois de um tempo, duas ou três policiais chegaram diante da cela com minha filha. Era a despedida. Fiquei arrasado ao ver os olhinhos dela escorrendo lágrimas. "Appa!...", murmurou ela, a voz embargada pelo choro que insistia em querer sair. Eu encostei na grade e sorri para ela, tentando tranquilizá-la. "Ei, não faz assim! Eu estou bem, vê? Até me trouxeram lanche." Mas o olhar dela era esmagador, uma dor penetrante que me quebrava todo por dentro. Mas eu prossegui, evitando chorar: "Olha, eles não podem me deixar aqui, logo eu vou sair. E quanto a você, será levada para casa. Vai ficar tudo bem, viu?" Acho que peguei a mão dela, não me lembro. As policiais apenas observavam enquanto eu conversava com ela. Foi tudo muito rápido. "Agora chega, vamos", acho que foi isso que uma dela disse. E saíram com minha filha, que seria levada para fazer exames e em seguida ser levada para um abrigo de menores antes que alguém da família fosse buscá-la e levar de volta para São Paulo. No dia seguinte eu continuaria a pensar em seu paradeiro, preocupado e aflito, sem saber que a mãe, acompanhada por um repórter de televisão, já havia chegado e embarcado com ela para Brasília de onde voaram para São Paulo. Naquele meio tempo, minha odisseia estava apenas começando.
O tal capitão tem um poder sobre-humano naquela região, segundo fiquei sabendo por meio de uma autoridade local, que me garantiu que ali ele manda e desmanda. E é claro que até o juiz tem medo dele, do contrário não teria emitido um mandado contra uma pessoas sobre a qual não pairava nenhuma nenhuma prova de crime, só acusações sem fundamento, como certos policiais civis daquela cidade confidenciaram comigo. Dois policiais civis (um homem e uma mulher) que conversaram comigo estavam indignados, pois tinham certeza que havia armação no ar. O policial disse enquanto dirigia a viatura: "Aposto meus vinte anos de investigador na sua inocência!" Já ela esbravejou várias palavras de indignação.
De qualquer modo, era preciso cumprir o mandado judicial, para que no dia seguinte eu fosse liberado incontinenti. Afinal a euforia da fama relâmpago na tarde anterior já tinham se dissipado. O tal capitão já conseguira o que queria. Saíra de suas medíocres redes sociais limitadas e para estrelar em rede nacional um caso cheio de inverdades, onde mais de sessenta milhões de pessoas acompanhavam o caso diariamente.
Mas ele mal esperava que eu fosse aparecer exatamente na sua delegacia na noite do dia seguinte após ser liberado. O policial civil que me deu carona a partir do presídio me orientou a não falar sobre a referida carona recebida. Obviamente temia algum tipo de represália da parte de quem parece ser o senhor do terror na região. Inclusive parou numa esquina afastada e cascou fora. Várias viaturas estavam paradas defronte da delegacia. Um monte de homens de uniformes negros como a morte, armados até os dentes com um forte arsenal de armas pesadas. Parece que por ali a coisa é feia mesmo. Não me intimidei e segui na direção da delegacia sob os olhares de todos eles, que me observavam se aproximar sem acreditar no que viam. Passe no meio deles, enquanto me olhavam atônitos e incrédulos com a minha ousadia. Isso era óbvio, porque ali certamente todo mundo se caga de medo deles. De cara, após passar pelo corredor de policiais, dei de cara com um cara sentado à entrada, de bermudas e coturnos, muito à vontade enquanto olhava o celular. Certamente devia estar vendo a imagem dele próprio durante a entrevista um dia antes na televisão.
- Capitão?
Ele ergueu a cabeça preguiçosamente em minha direção e tomou aquele susto contido, mas que ficou muito evidente em seu olhar rápido.
- O que você está fazendo aqui?
Ele se levantou e caminhou na direção da entradinha que dá acesso à área de trabalho dos agentes civis que ficam ali nos trabalhos administrativos de atendimento à população.
- Vim buscar minhas coisas, ué!
- Aqui não tem nada seu.
Naquele momento, um dos policiais com um fuzil ou metralhadora, sei lá, se aproximou e aproximou o rosto ao do capitão, como alguém que deseja desembuchar um segredo. "O que ele tá fazendo aqui, capitão?", perguntou nitidamente ainda surpreso com a minha ousadia ou coragem de voltar ao covil da fera, a cara mais lívida do mundo.
- É assim mesmo. A gente prende e a justiça solta.
Houve uma pequena discussão entre ele e eu, após a qual ele me disse que era melhor eu voltar para o meu São Paulo, senão nunca mais sairia dali.
Uma mulher que estava sentada no mesmo banco que eu estivera um dia antes de ser levado para interrogatório e depois para a prisão (após o mandado forçado do juiz), o olhou de um modo que nunca vou esquecer. Era um misto de espanto, raiva e incredulidade, pois percebera a clara, explícita e esculachada falta de temor em fazer uma evidente ameaça de morte a alguém.
Ao olhar para o rapaz no computador, que disfarçadamente me olhava, senti um apelo em seu olhar. Foi um pedido silencioso para que eu saísse dali logo, pois eu estava em perigo. Tão rápido quanto me transmitiu o olhar ele o desviou para seus afazeres. A mensagem foi clara. Eu estava em perigo de fato.
Saí da delegacia, passando novamente pelo meio daquela horda de homens de uniforme negro e armados até os dentes, como se fossem para uma guerra. Ficaram me olhando enquanto eu seguia rumo à avenida. No ínterim, cada passo que eu dava parecia uma eternidade, pois tudo que eu queria era sair do campo de visão daquele bando de psicopatas. Assim que cheguei à esquina, apressei o passo e usei estratégias de desvio para evitar algum contratempo. Naquele momento eu era a pessoa mais famosa a andar naquela cidade. Todos me conheciam. E eu queria evitar que vissem meu rosto. Sempre tem alguém querendo fazer um vídeo ou mesmo selfie. O objetivo é aparecer.
Mas o capitão e seus homens sabiam que eu não tinha como sair da cidade, estava sem minha bolsa, sem meu dinheiro, de mala e cuia. Ao chegar no centro, procurei um lugar discreto em meio à movimentação das ruas. Havia uma banca de feira e um espaço debaixo do balcão, onde ficavam os produtos de venda. A árvore dava sombra e foi fácil entrar debaixo do balcão de alumínio.
Pouco depois percebi a movimentação de viaturas, como se procurassem por alguém. E eu não tinha dúvidas de que eles queriam aprontar alguma comigo a mando do capitão psicopata. O vermelho intercalado com azul e branco dos dos giroflex para lá e para cá, davam a sensação de uma caçada a um alvo específico. Aquele famoso padrão estroboscópico dos giroflex ficaram marcados em minha memória. Naquele caso, eram as luzes da própria maldade a espreitar na noite com intento escuso de fazer o mal.
Aquela foi uma noite terrível, fria de lascar, como o próprio Alasca. Especialmente porque eu estava deitado sobre alumínio. Mas suportei a noite inteira, sempre adormecendo e acordando em seguida, sobressaltado pelos sentidos em permanente estado de alerta. Ao amanhecer, dei mais um tempo lá.
O meu temor era de que o dono da barraca viesse trabalhar. Mas isso não aconteceu, obviamente porque era domingo e as pessoas vão à missa nesse dia. Logo ouvi os alvoroços da cidade voltando às atividades, obviamente de lazer e compromisso com a religião. O povo estava indo para a missa. Ou melhor, estava vindo, já que a barraca onde eu me refugiara ficava pertinho da igreja da cidade. Saí do esconderijo e resolvi subir os degraus à entrada da igreja, para onde as massas afluíam. E foi ali que percebi a repercussão dos fatos televisionados. Me postei ao lado do homem que parecia receber as pessoas ou algo parecido. Ele foi muito solícito com este pobre pecador. Mas à medida que os fiéis chegavam é que minha ficha foi caindo. Todos tinham um olhar penetrante e muito amável. Não havia nenhum rancor ou qualquer espécie de crítica, só uma espécie de solidariedade. E o mais interessante é que essa impressão emanava de todos, especialmente das crianças.
Mas o que mais me impressionou foi que a maioria absoluta dos fiéis sempre dava um jeitinho de virar o olhar em minha direção, como se todos quisessem me ver. Como se quisessem ter certeza de que era eu mesmo. Foi constrangedor, mas era bastante compreensível todas aquela curiosidade do povo.
De qualquer modo, sem entrar em detalhes, devo dizer agradecidamente que foi daquele meio que muito gentilmente saiu uma dádiva de duzentos reais que me levaram a Brasília. Ainda na Rodoviária, vários homens me abordaram tentando me fortalecer e dizendo estar do meu lado. Novamente ganhei vários reais que serviriam como uma garantia.
Em Brasília recebi apoio de várias pessoas, de guardas do Parque da Cidade a empresários.
Mas vale ainda ressaltar que todo esse apoio e ajuda financeira para voltar a São Paulo começou ainda na Bahia, onde fui bondosamente agraciado com os primeiros quatrocentos reais (200 em uma cidade e mais 200 em outra), fora várias outras contribuições, inclusive feitas por adolescentes. Em momento algum me senti sozinho e abandonado, como se fosse um ser digno de repúdio. Todos pareciam ter a mesma opinião com respeito aos fatos criminosos a mim imputados.
Em Brasília fui envolvido por uma turminha de skatistas no Parque da Cidade, que gritavam "
O CARINHA DO CANAL! O CARINHA DO CANAL!" Não sei se eles me confundiram com o dono de um canal que curtiam ou se conheciam o meu canal, sei lá. O fato é que foram muito simpáticos comigo. Já em São Paulo fui abordado por várias pessoas que vieram me dar apoio e repudiar o que estava acontecendo. Policiais conversaram comigo, e em momento algum senti qualquer tipo de insinuação maldosa. Um homem me disse que não acreditava em nada do que estava sendo veiculado no programa de televisão sensacionalista, e ainda demonstrou raiva do apresentador a quem chamou de canalha. Outro me disse que seu pai estava acompanhando o caso desde o início e tinha certeza que era tudo armação. Segundo esse rapaz seu pai fez o seguinte comentário ao assistir a minha entrevista na televisão e a minha lucidez e transparência diante da enxurrada de acusações e xingamentos contra mim: "Não tá vendo que esse homem é inocente? Dos dois um, ou ele é inocente ou é um grande cara de pau!"
Mas muita coisa aconteceu depois disso, mesmo antes de ser preso injustamente apenas para satisfazer um programa de televisão. Fui muito bem tratado mesmo enquanto estive preso por dois meses. O pessoal não me deixou faltar nada e eram muito gentis. E uma coisa interessante foi a seguinte: como eles assistiam tudo que acontecia aqui fora e já estava totalmente a par do meu caso, me garantiram que eu sairia logo de lá, pois eu não passara por nenhum julgamento. O mais interessante mesmo foi eles, sem exceção, terem convicção de minha inocência. Perguntei por que eles achavam isso. Me garantiram que eles conseguem identificar um culpado de crime sexual, porque eles foram presos por causa disso. Eu não tinha as características de um predador.
Lá tudo era muito limpo, tipo é crime deixar qualquer coisa fora do lugar. Até meio obsessivo. Cada um tem suas obrigações e banho é algo essencial. Como eu acabara de chegar lá, um deles disse que eu estava fedendo a suor. O líder da cela resmungou: "Claro, né? Ele nem recebeu camisa reserva". Me deram sabonetes, creme dental, desodorante, pente... Enfim, uma turma muito simpática. E eu ficava pesando no por que de pessoas tão bacanas estarem ali. Mas é como diz o Mano Brown: "Aqui não tem santo". Claro, se eles estavam ali era porque haviam pisado na bola aqui fora. Um matou a esposa, segundo ele por acidente. O outro namorava uma garota de treze anos, sendo que ele era maior de idade. O pai da menina o denunciou por abuso. Um outro dizia que apenas estava bêbado numa rua deserta. Resolveu dar um mijão num poste e de repente ouviu uma mulher gritando
"tarado! tarado!". Ele se virou sobressaltado e tombando de bêbado e viu homens chegando correndo e o segurando enquanto a polícia era acionada. Foi acusado de alguns crimes, entre os quais, atentado violento ao pudor. Outro parece que engravidou a enteada menor de idade e foi denunciado pela esposa, a mãe da garota.
Alguma coisas ficaram marcadas em minha memória para sempre. Por exemplo, eu passava bastante tempo na janelinha de onde podia ver o metrô passando. E aquilo era muito emblemático, não tinha como não lembrar da música "Diário de um detento", dos racionais MC's, especialmente do vídeo clipe e daquela cena realística do Mano Brown observando o metrô passar. Eu vira aquele vídeo um milhão de vezes, afinal é uma obra de arte. Mas ali estava eu na mesma posição do vídeo, observando a vida fluir lá fora, como algo além do meu alcance. Tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. E tinha também o tempo, tipo "tic, tac, ainda é 9:40 | O relógio da cadeia anda em câmera lenta", como diz letra da música. Era incrível como de repente, obviamente por uma acusação de crime diferente daqueles retratados na música, eu vivenciava aquela realidade do vídeo clipe.
Acima da muralha, lá estavam os guardas metidos a "Charles Bronson" mencionados na letra do genial Mano Brown. Muitas vezes havia uma gritaria infernal vindo da parte superior, de onde alguns imbecis ficavam xingando os policiais em suas rondas no alto daquelas muralhas aparentemente instransponíveis. Eu ficava indignado com aquela babaquice, e ficava a pensar na possibilidade de em algum momento um daqueles guardas, digamos um cara mais esquentadinho, metesse uma rajada de balas contra as celas. Claro que a maioria absoluta não partilhava daquelas idiotices. Afinal, é cada um cumprindo o seu papel. Os pilantras que cometeram suas besteiras e estavam presos por suas condutas erradas quando em sociedade, e lá fora os guardas, que tinham a obrigação de suportar aqueles babacas gritando e xingando.
Segundo me informaram era proibido qualquer tipo de agressão, fosse da parte de presos contra presos ou de policiais contra presos. O sistema era bem rigoroso e diferente de outros tempos, não se permitia atos de violência. Outra coisa interessante é que segundo me disseram, até alguns meses antes, a comida e os lanches eram distribuídos em grande quantidade. Pois é, enquanto aqui fora muita gente passa fome, lá a comida é farta. Bom, como eu disse, até meses antes a comida era muito mais abundante, porém como estava havendo muito desperdício, a direção do presídio reduziu a quantidade. Mas eu pude constatar que além de não haver maus tratos e serem bem alimentados, diariamente há muitas atividades, como futebol, academia, reuniões de bate-papos, leitura; tem o pessoal que nas oficinas do presídio e ganham redução de pena; os cultos evangélicos são muito constantes e ocorrem na quadra de futebol, seja antes do início das eufóricas partidas ou depois. A limpeza é muito bem coordenada, e quando ela está sendo feita pela equipe responsável, ninguém pode passar. Ou ficam na quadra até que o trabalho seja terminado ou ficam nas celas.
Enfim, o que pude constatar foi que a vida é quase normal, exceto pelo fato de estarem presos. Mas é bom que o indivíduo não adoeça, pois a tendência é piorar, porque embora exista atendimento médico, as coisas não parecem ser lá muito boas. Por outro lado, o que esperar? Afinal ali não é colônia de férias, é um presídio onde pessoas que cometeram crimes (no caso daquele presídio, sexuais) ficam para cumprir suas penas pelo tempo estipulado por um tribunal legal. Pronto, é isso e fim de papo. Claro, não estou dizendo que eles não tem direito a saúde, mas também não tem o direito de ficar reclamando, que pensassem antes de fazer suas cagadas lá fora. Há também as revistas periódicas nas celas, quando os presos saem de cuecas em fila indiana para a quadra, onde precisam ficar de pé lado a lado diante do contingente de guardas e cães doidos para devorar sacos. É comum os gritos da guarda e a tiração de sarro. Diante dos guardas, os presos então precisam ficar nus e fazer agachamentos para provar que não escondem algo em lugar óbvio. Nesse ínterim, os demais guardas fazem uma geral na celas, onde fica uma desordem geral, com muita coisa destruída ou jogada na quadra. Ao fim dessa revista, tudo volta ao "normal" e os presos voltam a arrumar as coisas. Pelo que pude perceber, este é um dos momentos mais desagradáveis para todos, e quando acontece vem meio que de surpresa. Mas os presos conseguem identificar os sinais de quando as revistas serão feitas. É um momento bem tenso. Enquanto estive lá, pude sentir na pele como é isso. É bem constrangedor e muitos guardas se sentem pouco a vontade nessas situações humilhantes. Deu para ver no comportamento e nos olhares de alguns. Ouvi quando uma mulher da guarda tirou onda com um dos presos que evidentemente já estava acostumado a ser enjaulado: "Ah! Esse passarinho eu já conheço!"
São tantas histórias malucas, com tantas evidências de irregularidades que eu chegava a pensar:
Putz! Se existem inocentes aqui nesse meio e não conseguem sair, então eu estou fritinho da silva!
Mas aí entrava uma questão que eles trataram de me expor. O carinha que fora preso ao voltar da França, um empresário acusado de abusar de uma menor, um carinha meio acima do peso e muito gente fina de nome Paulo, cheio de livros; ele me disse que eu era o famoso deles. E ele me garantiu que além de não existirem grandes provas contra mim, de ter sido preso de forma ilegal, de ter o apoio de minha própria família e especialmente de minhas filhas, e principalmente por eu estar na mídia, logo logo eles teriam que me soltar. O meu caso era diferente da maioria dos casos. Ali tinha gente presa há anos e mais anos, sem sequer ter passado por um julgamento.
São muitos o ocorridos nessa história. Ainda existem policiais a serem mencionados, repórteres sem escrúpulos e uma delegada a serviço de um apresentador de televisão sem caráter. Bronca de delegado a repórter invasivo e até o momento que eu cheguei ao presídio e vi alguns presos recém-chegados, todos pelados virados para o muro. Eu pensei que passaria pela mesma humilhação, porém o diretor do presídio já estava a minha espera. Me levou direto para dentro sem me permitir passar por aquele constrangimento. Lembro dos policiais me olhando, pois obviamente conheciam o caso. E enquanto eu entrava para dentro, olhei aqueles caras pelados de encontro ao muro como se a qualquer momento fossem receber uma saraivada de balas.
Já no corredor interno, eu na frente, mãos para trás (é regra), o diretos comentou algo e eu dei sequência ao que ele mencionara. Ele me deu um soco no ombro. "
Só fale quando eu autorizar!". Ok, ok, ok. Eu comecei a entender as regras. Me levou a uma sala onde me perguntaram meus dados enquanto digitavam no computador, tudo muito tranquilo e sem alardes ou pressão. Depois fui conduzido a uma celinha onde já havia alguns caras, três ou quatro. Todos meio perdidos e com medo do futuro. Olhares desnorteados. Perguntei qual o próximo passo. Me disseram que eles iam passar a maquininha nas nossas cabeças.
Recebemos kits com roupas bege, sabonetes e outras coisas que não me recordo. Quando chegou a minha vez de passar pela maquininha, o diretor estava lá. E ele me disse: "Aqui, esqueça cartão de crédito, dinheiro, cheque, já era! Isso é lá fora, aqui dentro não existe!" Não sei bem se foram exatamente essas palavras, mas foi bem por aí. Também não sei bem se ele falou durante o corte de cabelo ou foi durante a caminhada pelo corredor.
São muitos os eventos dentro de um mesmo evento. E os pormenores dentro da história completa não podem ser narrados senão por meio de um livro. Talvez de um documentário ou mesmo em um podcast. É isso, num podcast a conversa flui de maneira evolutiva e as coisas vão se sobrepondo de maneira natural. Seria muito bom e prático. Quem sabe?
Controvérsias a parte...
O que me resta é a superação, dádiva de sobreviventes como eu. Mas sou dotado de grande resiliência, vou conseguir. Por enquanto, aqui, no mundo dos vivos, eles terão que me engolir. E aqui vale o velho ditado: os incomodados que se retirem. Que eles não prevaleceram é fato consumado, e a razão do seu vergonhoso fracasso foi um fato muito simples de ser explicado: eles tentaram derrubar uma montanha de verdades com um punhado de mentiras. E montanhas não desmoronam, assim como a mentira nunca será mais poderosa que a verdade. Assim como o ferro congelado não pode ser envergado. Quebrado sim, entortado nunca. A honra está acima das meras formalidades. Eu sou como o aço frio das gélidas terras nórdicas. Para os que me detestam, frio como a morte. Porém, doce como o próprio néctar para com os de coração humilde e especialmente os que gostam de mim. E esses (pode acreditar), são muitos. Uma coisa é certa: para todo fim de história sempre existiu e sempre vai haver um começo ou mesmo um recomeço. Minha história não acaba aqui, também não digo que ela está apenas começando, pois isso não seria verdadeiro. Tenho uma bela e longa história de boa venturas. E por fim, de um amontoado de desventuras em série. Então não estou começando, pois isso aconteceu lá atrás. Mas sim, este é um bom momento para um recomeço. Um recomeço no qual eu possa fazer um check-up de minha história e analisar meus erros e acertos, e por meio dessa análise, mudar o que for preciso para que a partir de agora minha trajetória ocorra sem maiores imprevistos, embora a beleza da vida seja exatamente isso: os imprevistos. Talvez por meio dessa análise profunda eu venha a descobrir que fui um ser humano muito mais falho do que pude perceber. E então será preciso uma reforma inclusive de meu caráter e de minha essência. Afinal nenhuma provação vem de graça, penso eu. Por um erro ou outro é que a vida está te castigando. E neste ponto vale uma reflexão a fim de se chegar a um consenso comigo mesmo. Mas esse check-up envolve principalmente as relações humanas, e é nesse ponto que os cuidados devem ser redobrados, pois embora isso não deva se tornar uma obsessão, é preciso ter muito cuidado, pois a mão que nos afaga na aurora de hoje pode ser a mesma que vai nos apedrejar no crepúsculo de amanhã.
Por: Nyll Xavier
13/01/2023, 5:01:34 AM
DIÁRIO DE UM DETENTO RACIONAIS MC's
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